O gás natural é uma alternativa ao gasóleo, sobretudo nos transportes pesados de mercadorias e pessoas. Associação de operadores portugueses e espanhóis propõe rede ibérica com mais de 200 postos.

Os percalços de uns podem ser uma oportunidade para outros. É assim que os defensores de combustíveis alternativos estão a olhar para a fraude com emissões a gasóleo do grupo Volkswagen. Todos querem apanhar a boleia da mudança na política e nos comportamentos que poderá resultar do maior escândalo que abalou a indústria automóvel.

“Há que corrigir este disparate tecnológico que se cometeu há alguns anos”. O desafio foi lançado pelo presidente da comissão de mobilidade sustentável do parlamento de Barcelona, Pere Maliás I Andre, durante o IV congresso dos operadores de gás natural para transportes que se realizou na capital da Catalunha. O “disparate” foi aposta em força no gasóleo, que hoje representa mais de 60% do parque automóvel de países como Portugal e Espanha.

Uma das alternativas que está em marcha é o desenvolvimento de uma rede ibérica de postos públicos a gás natural com mais de 200 pontos de abastecimento. O tema está na agenda da Gasnam (Associação Ibérica de Gás Natural para a Mobilidade) que criou um consórcio entre os associados para promover este projeto junto dos governos dos dois países e da Comissão Europeia.

A proposta prevê um investimento global de 62 milhões de euros e foi apresentada esta terça-feira à Comissão Europeia e ao BEI (Banco Europeu de Investimentos), entidades que podem vir a financiar o projeto. A estratégia é avançar com uma rede de gás natural veicular (GNV), antecipando a diretiva dos combustíveis alternativos que obriga os Estados membros a desenvolver um plano nacional até 2020.

O aperto da malha às emissões nos transportes, com especial foco no gasóleo do transporte profissional, a descida do preço do gás natural e um maior número de fornecedores internacionais, combinado com um excesso de capacidade logística na Península Ibérica, resultam numa equação que dá força à alternativa gás natural.

O projeto para uma rede conjunta de Portugal e Espanha prevê dois tipos de postos de venda pública, explicou ao Observador, Nuno Afonso Moreira, presidente executivo da Dourogas, a distribuidora portuguesa que está a dinamizar este projeto na Gasnam: Os postos de Gás Natural Comprimido (GNC) vocacionados para o transporte urbano e os postos mistos onde se vende também Gás Natural Liquefeito (GNL), usado no transporte de pesados de mercadorias e de passageiros.

Rede portuguesa com 40 pontos de abastecimentos

O plano é instalar uma estação de GNL, a cada 400 a 450 km, e um posto de GNC para cobrir distâncias de 150 quilómetros e em cidades com mais de 100 mil habitantes (um por cada cem mil pessoas) e em todas as capitais de distrito. A rede do lado português prevê cerca de 30 postos de GNC e 11 postos mistos que abastecem também GNL (gás natural liquefeito). Considerando que já há algumas unidades a operar, o projeto aposta na construção de cerca de 30 novos postos, o que equivale a um investimento da ordem dos 15 milhões de euros (400 mil euros por posto GNC e um milhão euros por estações mistas) na rede portuguesa.

Portugal tem quatro postos de GNC, dois usados pela Carris e os STCP, e dois públicos, abastecidos pela Dourogas, e seis postos mistos, dos quais dois são da Galp Energia e quatro da Dourogás. A empresa de Vila Real, que é dona da Goldenergy, vai lançar em janeiro um novo posto misto na fronteira em Elvas, precisamente para tirar partido dos percursos ibéricos do transporte pesado.

Os estudos ainda têm de validar o investimento, a procura e a rentabilidade desta iniciativa, mas para já pretende-se convencer os interlocutores políticos dos dois países, sublinha Nuno Afonso Moreira.E os promotores acreditam que se a infraestruturas existir, a procura vai aparecer.

Do lado espanhol, o projeto já foi assumido pelo subdiretor-geral de políticas setoriais industriais, Alexandro Cros, durante a apresentação no congresso da Gasnam, que se realizou a 20 e 21 de outubro em Barcelona. O diretor-geral de Energia português foi mais cauteloso. Carlos Almeida explicou ao Observador que este projeto será analisado no quadro do roteiro para o gás natural, que está a ser preparado para a transposição da diretiva, mas ainda não há uma posição de apoio do governo. O responsável assinala contudo a existência de iniciativa privada nesta área.

Gás natural é alternativa, mas para quem?

Até os promotores do Gás Natural Veicular (GNV) reconhecem que este combustível não é a alternativa aos combustíveis tradicionais, mas uma entre várias alternativas que estão a tentar ganhar espaço no mercado. O gás natural é mais adequado para o transporte pesado de carga e passageiros, podendo também ser utilizado em barcos.

Em Portugal, já haverá pelo menos 25 camiões de transporte de mercadorias a gás natural, um segmento que tem vindo a crescer no espaço ibérico. No transporte de passageiros, o gás natural na versão comprimido é utilizado em autocarros da Carris e sobretudo nos STCP onde metade da frota anda a gás natural. No total, já há cerca de 350 autocarros de passageiros. Há igualmente camiões de lixo, designadamente a frota da Simar, empresa municipal de Loures e Odivelas.

O gás natural é mais barato que o gasóleo. A poupança efetiva depende muito do preço do petróleo e também dos consumos, mas os números recentes apontam para uma economia até 40% face ao gasóleo no transporte de mercadorias e da ordem dos 20% a 25% no transporte urbano. A grande vantagem é contudo ambiental. Apesar de ser um combustível fóssil, o gás natural pode reduzir as emissões entre 20% a 80% para o caso dos famosos NOx (dióxidos de azoto) que tramaram a Volkswagen.

O setor dos transportes é responsável por 25% das emissões poluentes na Europa e bastaria que 10% do mercado mudasse para o gás natural para se conseguir melhorar a qualidade do ar, de acordo com dados citados por Matthias Maedge, secretário-geral da associação europeia de gás natural.

Mas nem tudo são rosas. Os camiões/autocarros são mais caros (cerca de 20%) e há limitações na autonomia, sobretudo por causa da insuficiente rede de abastecimento, uma situação que os promotores ambicionam inverter com a instalação de postos que assegurem uma rede de dimensão nacional e viabilize viagens ibéricas.

O combustível beneficia de impostos mais baixos, ao nível do imposto petrolífero, e há benefícios na compra ao nível do IVA, consagrados na reforma da Fiscalidade Verde. No entanto, o gás natural não tem o mesmo poder de atração que a mobilidade elétrica, sobretudo no transporte individual.

Há espaço para todos, dizem os defensores do gás natural. E mais do que concorrentes, os dois tipos de combustíveis funcionam como complementares, dada a reduzida autonomia dos carros elétricos, sobretudo pelo tempo de carregamento que, pelo menos para já, os condena a percursos urbanos. Mas o “inimigo número um” acaba por ser o Gás de Petróleo Liquefeito (GPL), sobretudo pelo efeito de experiências negativas que afastam os condutores do gás, seja ele qual for.

Portugal até teve apostas ambiciosas nesta área, sobretudo a protagonizada pelos STCP. Mais de metade da frota da empresa de transportes coletivos do Porto é movida a gás natural. No entanto este compromisso está em risco, na medida em que o concurso de subconcessão dos transportes no Porto impõe uma renovação de frota, mas não salvaguarda que tenha de ser feita em gás natural. No limite, estes veículos podem ser substituídos por autocarros a gasóleo que nem sequer têm de ser novos.

Fonte: Observador

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