A nova Casa da Cerveja, no Porto, já recebeu dois mil curiosos pelos 126 anos de história da Unicer. Da linha de montagem fantasmagórica ao funcionário Rui Reininho há muito para conhecer. E provar.

Na Irlanda, o provérbio “ir a Roma e não visitar o Papa” podia ser substituído por “ir a Dublin e não visitar a fábrica da Guinness”, com os seus sete pisos de história da empresa e curiosidades sobre a cerveja que é símbolo do país. E não é caso único: outras loiras e morenas europeias emblemáticas, como a dinamarquesa Carlsberg ou a holandesa Heineken também têm as suas casas abertas aos olhares curiosos dos visitantes. Agora chegou a vez de Portugal, com a abertura da Casa da Cerveja, na fábrica da Unicer de Leça do Balio, espaço que quer ser uma referência para quem visita o Porto.

Para seguir à risca a máxima “se conduzir, não beba”, a única forma de se chegar à Casa da Cerveja é ir de táxi ou pedir boleia a alguém. É que as acessibilidades para a Unicer não são amigas de quem anda de transportes públicos. E, por enquanto, o único shuttle que existe para levar os visitantes para o museu passa apenas pelo Mosteiro de Leça do Balio, uma vez que é lá que se compram os bilhetes (8€ preço normal, sujeito a vários descontos e com direito a provar duas cervejas artesanais, com harmonização).

Dali, o shuttle só pára junto a umas grades empilhadas, que marcam a entrada para 126 anos de história, desde o dia 7 de março de 1890, quando foi fundada a Companhia União Fabril Portuense (CUFP). “Queremos que a Casa da Cerveja seja uma referência na cidade, que faça parte do roteiro de quem visita o Porto”, explicou ao Observador Bruno Albuquerque. O novo diretor de marketing da Super Bock está atento ao número cada vez maior de turistas e, embora assuma que não se inspirou em nenhum dos museus de cerveja mais conhecidos da Europa, sente que a cerveja portuguesa também tem uma história para contar. Pelo menos a da casa.
A primeira pedra – neste caso, garrafa – foi erguida em 1890. (foto: © Artur Machado / Global Imagens)

A primeira pedra – neste caso, garrafa – foi erguida em 1890.
(foto: © Artur Machado / Global Imagens)

As visitas guiadas à Casa da Cerveja fazem-se de quarta-feira a domingo, às 10h00 e às 15h00. Desde outubro de 2015, quando receberam o primeiro grupo, que duas mil pessoas já passaram por ali. O percurso, que pode ser guiado ou livre, dura 90 minutos e começa habitualmente na Sala das Medalhas mas, quando o Observador lá esteve, para uma apresentação à imprensa, o ponto de partida foi o Pátio das Matérias-Primas.

“Queremos mostrar aquilo que de melhor se faz na cerveja e a riqueza que há no mundo cervejeiro”, anunciou a guia, rodeada dos ingredientes que estão dentro de cada garrafa: a água, “que é a base da cerveja”, e o motivo pelo qual a Unicer se instalou em Leça do Balio; os diferentes cereais que darão origem ao malte, fator determinante para o sabor de cada bebida; as flores do lúpulo que a Super Bock vai buscar a Bragança, e com as quais torna uma cerveja mais amarga, mais cítrica ou mais floral, já que é o lúpulo o responsável pela aromatização.

Os 10 pontos que os visitantes podem conhecer em 90 minutos. (foto: © Fabrice Demoulin / Divulgação)

Os 10 pontos que os visitantes podem conhecer em 90 minutos.
(foto: © Fabrice Demoulin / Divulgação)

O percurso seguiu para a Oficina da Cerveja Artesanal, que mais parece um laboratório, cheio de tubos e cisternas controladas por apenas três a cinco pessoas. É dali que sai toda a seleção 1927 da Super Bock, assinada por Beatriz Carvalho, a primeira beer sommelier portuguesa.Para produzir dois mil litros de cerveja artesanal são necessárias entre oito e dez horas de trabalho, tempo que, na cerveja normal, “dá para produzir entre 300 a 400 mil litros”, explicou Miguel Cancela, um dos responsáveis pelas Munich Dunkel, Bavaria Weiss, Bengal Amber IPA e Czech Golden Lager, as quatro cervejas artesanais que a Super Bock tem hoje disponíveis em supermercados, restaurantes e bares portugueses.

Ainda faltava conhecer a segunda parte do processo de produção — o engarrafamento e o embalamento. Mas já lá vamos. Saindo da Oficina e subindo umas escadas, o público encontra a Sala Dourada, cujas paredes reluzentes são feitas com os vidros de 96 mil garrafas de Super Bock. É o cofre-forte onde se guardam 126 anos de memórias. Se 1890 é uma data marcante por ter sido fundada a CUFP, 1927 também é fundamental, e não é por ser o número que vem nos rótulos da gama de cervejas artesanais. Foi nesse ano que a marca Super Bock foi criada.

Numa das vitrinas está exposto o título do registo, que custou 66 escudos. Noutra estão as medalhas conquistadas em concursos e certificações internacionais. Mais à frente recorda-se a evolução que as garrafas e os rótulos foram tendo ao longo das décadas. Há um vídeo que conta parte da história da empresa, narrado por Fernando Pessa. Noutro vídeo fica-se a saber que Rui Reininho, vocalista dos GNR, foi funcionário da UNICER.

Registar o nome de uma empresa que hoje vale milhões custou 66 escudos. (foto:© Fabrice Demoulin / Divulgação)

Registar o nome de uma empresa que hoje vale milhões custou 66 escudos.
(foto:© Fabrice Demoulin / Divulgação)

A fábrica da UNICER estava instalada no centro do Porto, na Rua Júlio Dinis, onde fica hoje o edifício Mota-Galiza. O aumento da procura levou a empresa a construir um novo complexo de produção e em 1964 as garrafas de cerveja começaram a sair de Leça do Balio. Após a mudança,as vendas aumentaram 43 vezes, o que, num país de tradições vinícolas, é obra.

Uma das áreas que as pessoas mais gostam de ver na Casa da Cerveja é aLinha 6. Por dia, enchem-se ali 45 mil garrafas. E não, não é por dia, é por hora. Ao longo das passadeiras automáticas, as garrafas vão percorrendo vários setores onde são inspecionadas, enchidas, capsuladas, rotuladas e embaladas. Com tanta azáfama, seria de prever que houvesse trabalhadores atarefados por todo o lado. Nada disso. “É um bocadinho fantasmagórico“, admitiu a guia. Contam-se pelos dedos os funcionários que por ali andam a controlar se está tudo bem. As máquinas fazem quase tudo para que saiam dali os 450 milhões de litros de cerveja por ano, que matam a sede a todo o país e a várias partes do mundo.

Parece uma fábrica fantasma, com as garrafas a serem embaladas sozinhas. (foto: © Fabrice Demoulin / Divulgação)

Parece uma fábrica fantasma, com as garrafas a serem embaladas sozinhas.
(foto: © Fabrice Demoulin / Divulgação)

Ver trabalhar pode ser cansativo. Talvez por isso, a visita continue pela Sala Dourada. Nesta parte, há vários locais originais onde sentar, desde o banco da equipa e do treinador, para rever anúncios desenvolvidos pela empresa desde os anos 1980 para determinadas competições oficiais, às cadeiras redondas com som incorporado que recordam 22 anos de Super Bock Super Rock. Outra das memórias do festival é a guitarra assinada dos Xutos e Pontapés, que está numa das paredes, ao lado de uma jukebox com músicas dos artistas que atuaram no ano passado.

Antes do regresso à Sala Dourada e da visita à linha de montagem é preciso passar pela histórica Sala Cobre, onde se começou por fazer a cerveja em 1964. Só há três anos, quando o projeto da Casa da Cerveja começou a ganhar corpo, é que a produção mudou de local. “Fazemos aqui eventos”, explicou Inês Mesquita, responsável de comunicação da empresa. Internos, mas também é possível a outras empresas o aluguer do espaço para determinados eventos. Se forem gastronómicos, tanto melhor.

No passado, o espaço já recebia visitas, principalmente escolares ou de pessoal especializado. A Casa da Cerveja “estava connosco há muito tempo. Tínhamos este sonho e concretizámos nesta altura”, assumiu Inês Mesquita. A construção está integrada na revitalização de que foi alvo todo o complexo da Unicer em Leça do Balio, num investimento que chegou aos 100 milhões de euros. Inês Mesquita não consegue, portanto, dizer que parcela do dinheiro foi usada para criar o projeto.

A Sala Cobre acolhe alguns eventos, internos e não só. (foto: © Fabrice Demoulin / Divulgação)

A Sala Cobre acolhe alguns eventos, internos e não só.
(foto: © Fabrice Demoulin / Divulgação)

Depois de se ver tanta cerveja, o que apetece mesmo é prová-la. É por isso que todas as visitas terminam no Lounge, com direito a duas provas e harmonizações com cerveja. Quem quiser levar alguma para casa, assim como outro artigos da marca, tem a loja do museu mesmo ao lado. Mas, ao contrário dos quadros de Picasso ou das esculturas de Rodin, as obras que moram neste museu encontram-se em todo lado. O truque é vê-las — perdão, bebê-las — com moderação.

Nome: Casa da Cerveja
Morada: Rua do Mosteiro, 4465-703 Leça do Balio (Matosinhos, dentro da fábrica da UNICER)
Telefone: 93 264 0126
Horário: As bilheteiras funcionam de quarta a domingo, entre as 9h15 e as 10h00 e as 14h00 e as 15h00. As visitas guiadas começam às 10h00 e às 15h00
Preço: O bilhete normal custa 8€ e dá direito a duas harmonizações de cerveja. Há preços especiais para estudantes/seniores, famílias, grupos escolares e grupos com mais de 10 pessoas.
Site: www.superbockcasadacerveja.pt

Fonte: Observador

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