Ondas de choque provocadas por uma subida muito rápida dos juros podem chegar a Portugal por várias vias. BCE limitará impacto na dívida soberana.

Pela primeira vez em quase uma década, a Reserva Federal (Fed) dos EUA deve subir hoje a taxa de referência. O provável aumento de 25 pontos base numa taxa que está actualmente a zero já foi descontado pelos mercados, pelo que as ondas de choque vão depender mais da mensagem de Janet Yellen e do ritmo a que tenciona desfazer o maior volume de estímulos de que há memória.
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mudança nos prémios de risco afecta acções…
A subida do preço do dinheiro leva a um ‘repricing’ nos mercados, aumentando a remuneração dos activos com menor risco. As acções são as primeiras a sofrer, com muitos investidores a transferirem dinheiro para as emissões de dívida pública, por exemplo, já que as obrigações passam a ser melhor remuneradas e têm muito menos risco. No caso do mercado europeu, um estudo da Goldman Sachs concluiu que, historicamente, as acções europeias até tenderam a valorizar no ano anterior e no ano seguinte a subidas de juros nos EUA. No entanto, a dimensão da reversão actual, aliada à instabilidade em mercados como o chinês e o estado de recuperação lenta das empresas europeias, pode provocar dificuldades também no Velho Continente.

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… e tem impacto na dívida soberana do euro
O impacto no mercado de dívida europeu arrisca ser negativo, mas por via indirecta. Com o aumento da taxa de referência da Fed, é expectável que as obrigações norte-americanas registem subidas nos juros, ficando assim mais atractivas para os investidores, que poderão retirar dinheiro da Europa, à procura de maior rendibilidade. No entanto, enquanto o Banco Central Europeu (BCE) mantiver activo o ‘quantitative easing’, esse efeito deverá sempre ser limitado, já os bancos da zona euro poderão continuar a comprar a dívida dos países da moeda única, vendendo-a depois à instituição liderada por Mario Draghi.

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queda do euro ajuda nas exportações…
Com menos dólares a circular, a divisa norte-americana vai tender a valorizar face às restantes moedas. No caso do euro, esse movimento será ainda mais visível, já que a moeda única está em queda livre com a política expansionista do BCE – há mesmo quem fale na possibilidade de atingir a paridade face ao dólar. E se isso é mau para os turistas portugueses que queiram ir aos EUA, porque o câmbio não lhes será tão favorável, acaba por ser bom para as empresas portuguesas que exportem para o outro lado do Atlântico. As empresas e famílias norte-americanas ficam com mais poder de compra e os produtos europeus tornam-se mais atractivos, impulsionado as exportações da região. Os EUA são actualmente o quinto maior mercado de Portugal e as exportações nacionais para a economia norte-americana somaram 2,2 mil milhões de euros até entre Janeiro e Novembro.

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… mas encarece os combustíveis
Tal como os norte-americanos vão ganhar poder de compra em euros, os europeus vão perder poder de compra em dólares. Logo, as importações dos EUA ficam mais caras, mas não só. Como a cotação do petróleo e dos seus derivados nos mercados está denominada em dólares, a importação de combustíveis vai ser mais cara: o efeito câmbio vai acabar por limitar o impacto positivo da quebra do preço do ouro negro, que se verifica desde o final do ano passado e que tem ajudado a manter o excedente externo da economia portuguesa este ano.

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atenção ao brasil
Os mercados emergentes têm estado sob grande pressão desde que Janet Yellen começou a falar em subir os juros e não é caso para menos. É que, por um lado, vão começar a pagar mais caro para se financiarem. Por outro, a respectiva dívida que esteja denominada em moeda local pode ficar mais alta, devido à valorização do dólar. Além disso, também aqui há o efeito de uma transferência de dinheiro por parte dos investidores, que vêem aumentar a rendibilidade de outros activos com menor risco – sendo que, ao contrário da zona euro, neste caso não há BCE para atenuar esse impacto. A pressão sobre os emergentes pode ser má para a economia global como um todo e, no caso de Portugal, pode ter um impacto mais directo, consoante os estragos provocados no Brasil.

Fonte: Económico

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