O dia 25 de Abril de 1974, em casa de Ilda Lage, na cidade angolana de Cuito, então chamada Silva Porto, foi de festa. “Abrimos uma garrafa de champanhe. Pensávamos que então é que Angola ia ser o país que sempre havíamos sonhado: justo e para todos”, lembra. A esperança esfumou-se em pouco tempo, quando a família percebeu que tinha de abandonar o território e embarcar no maior resgate civil alguma vez feito em Portugal: a ponte aérea, que durante o “verão quente” de 1975 trouxe de volta ao país 200 mil portugueses cheios de incertezas. E de mãos vazias.

Quase 40 anos depois, a família de Ilda Lage ainda faz parte da lista de mil espoliados com processos em tribunal contra o Estado português. “O caso está no Tribunal Internacional de Haia, mas não acredito que se faça justiça.” Nascida em Angola, regressou a Portugal ao fim de 35 anos e foi obrigada a começar uma vida do zero. “Deixámos uma vivenda, negócios, tudo. No banco tínhamos o suficiente para comprar um apartamento em Portugal, mas tudo o que conseguimos trazer foi cinco contos por adulto. E meia dúzia de sacos com roupa porque nem malas tínhamos. Estavam esgotadas.”

Entre 1976 e 1980 deram entrada no Estado português 46 mil processos de reclamação de bens espoliados para descongelamento de contas bancárias, conversão de moeda, indemnizações por bens imóveis, entre outros. Os valores não são fáceis de apurar e a maioria dos que regressaram a Portugal nunca receberam qualquer indemnização, nem do governo português nem das ex-colónias. Num estudo divulgado pela Associação de Espoliados do Ultramar estima-se que terão ficado em África 250 milhões de contos, valores correspondentes apenas às poupanças de 80 mil portugueses.

“O que vemos no Chipre foi o que nos aconteceu: a determinada altura fecharam os bancos, deixámos de poder levantar dinheiro, congelaram-nos as contas, meteram-nos num avião e aterramos em Portugal, com uma mão à frente e outra atrás”, compara Luís Castro, filho de fazendeiros de café que exploravam terras em Angola. “Nessa altura, quando saímos, foi fechar a porta, deixar os frigoríficos cheios e sair. Consegui levantar 50 mil angolares em notas, dinheiro que não valia nada. E as empresas do meu pai deixaram na conta do Banco de Portugal 500 mil contos.”

Para muitos dos que abandonaram o território africano, o limite ao transporte de valores estava fixado em cinco contos por adulto. Não foi o caso de Luís. Mas dos 50 mil que conseguiu levantar, recuperou apenas 150 contos: “Desembarquei, estive três dias no hotel e 15 no chão do aeroporto, a trocar os 50 mil angolares em negociatas com os tripulantes da ponte aérea. Entregava 100 contos, eles compravam ouro e relógios e eu recebia 500 escudos.”

Apesar dos mais de 30 anos que separam as duas realidades, para quem está no Chipre as limitações à circulação de capitais são reais, tal como foram para os portugueses no Ultramar. Com o resgate, os cipriotas viram-se impossibilitados de abandonar o território nacional com mais de três mil euros, e as medidas impõem restrições também às transferências para o estrangeiro, limitadas a dez mil euros por trimestre, assim como a utilização de cartões de crédito fora da ilha, agora reduzida aos cinco mil euros/mês. O levantamento de cheques foi suspenso.

Embora o resgate de meio milhão de portugueses que viviam nas ex-colónias portuguesas tenha sido feito em tempo recorde – durou apenas quatro meses -, os processos para recuperar bens e dinheiro ainda hoje se arrastam. Em 1977, a legislação criada para indemnizar os “espoliados” previa 23 anos de amortização para quem reclamasse valores acima dos seis mil contos, com uma taxa de juro de 2,5%.

No Chipre, talvez inspirado nos muitos países que ao longo da sua história decidiram combater as crises taxando o capital, os grandes depositantes são os mais prejudicados: 30% para quem tiver depósitos superiores a 100 mil euros.

E as restrições não vão durar apenas uma semana, como inicialmente previsto. Quinta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros cipriota, Ioannis Kasoulides, afirmou que o país espera levantar as imposições “em cerca de um mês”, apesar de Bruxelas ter pedido celeridade e avisado que as restrições aos movimentos de capitais só são admissíveis em circunstâncias excecionais e rigorosas. “Serão retiradas uma série de restrições, de forma gradual, provavelmente depois de um mês. Todas serão retiradas.”

Promessas políticas
Ao longo dos últimos 30 anos sucederam-se promessas políticas, formaram-se grupos de trabalho, emitiram-se despachos para resolver a questão dos espoliados. Quando era primeiro-ministro, em 1992, Cavaco Silva criou o Gabinete de Apoio aos Espoliados, tendo sido feito o levantamento dos bens perdidos. Mas as diligências resultaram em nada; dois anos depois, o gabinete extinguiu-se.

Há 12 anos, Manuel Mascarenhas Gaivão regressou à antiga Lourenço Marques para revisitar o local do seu nascimento e onde a família deixou os seus bens: casas e todo o dinheiro. “Senti-me perdido. Tão perdido que a viagem, programada para 15 dias, terminou ao fim de dez”, conta. “Tudo o que tínhamos em Portugal foi vendido para investir lá. Os meus pais fizeram três casas muito bem situadas que hoje valeriam meio milhão de euros. Quase ninguém conseguiu reaver o que lá tinha, só adquirindo a nacionalidade angolana e mesmo assim era difícil.”

As histórias sucedem-se com um denominador comum: uma vida inteira para conquistar o que se perdeu em dias. Isabel Moreira e o marido estiveram 35 anos em Angola. Quando ele chegou a Portugal “nem dinheiro tinha para fazer um telefonema a dizer que estava no aeroporto”. “A casa era alugada, mas tínhamos carro e dinheiro no banco. Fizemos todos os possíveis para reaver o que era nosso. Ainda tenho as indicações de Paulo Portas na minha agenda. Quando foi para o governo, em 2002, prometeu que ia tratar da nossa situação. Mas até hoje não aconteceu nada.”

Embora muitas vozes se tenham insurgido contra o papel do Estado no processo de descolonização e no cálculo das indemnizações, as promessas de resgate do governo português raramente foram além do papel e das palavras, à exceção de quem tinha depósitos nos consulados. Luís Castro, que refez a vida a partir dos 150 contos que trocou em Portugal, ainda fez queixa no Parlamento Europeu, mas já desistiu de reaver o que era da família. Preferiu antes ensinar aos filhos a lidar com os problemas e aconselhou-os a emigrar. “Hoje estão bem, riem-se da crise.”

Fonte: Dinheiro Vivo

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