Fábrica que produz veículos ligeiros da Toyota estava a entrar em declínio, mas o presidente da Caetano Auto revela que a produção mais que duplicará para 4.000 unidades.

Numa época tão conturbada para o sector automóvel, o que faz com que o grupo mantenha força para continuar?

Tivemos a visão e pautámos a nossa actuação por vários indicadores, como a eficiência. Muitas vezes, liga-se mais aos factores directos, mas para mim o problema reside mais nos indirectos. As nossas concessões foram criadas, a maior parte, em 1971, face à necessidade de crescimento que tínhamos. Nessa altura, fizemos também uma fusão de várias empresas que levou a economias. Se não o tivéssemos feito não estávamos aqui.

Costumo dizer, no entanto, que estamos sempre em reestruturação. Com este decréscimo do mercado, caso não nos tivéssemos preparado, estaríamos numa situação muito complicada. Nós reestruturámo-nos, reestruturando.

Mas com quedas de 40% ao ano, e com um mercado a valer tanto como 1985, quais as perspectivas de futuro?

Um empresário não pode pautar a sua actuação só numa óptica de lucro. Nós temos obrigações para com a sociedade, de manutenção de postos de trabalho. Os empresários que não o façam, não merecem ser chamados de empresários. Investir hoje no sector automóvel é um suicídio. Quem começar agora, se fizer um estudo bem feito, não avança. Os empresários já existentes, como nós, acreditam no sector e no mercado. Isto é cíclico, mas não podemos ser redundantes. Não podemos ter uma atitude de despedir toda a gente. Devemos reestruturar, mas temos de ter a colaboração dos trabalhadores, que têm de estar em sintonia com a administração. Se não estivermos perante colaboradores que nos motivem, que aceitem sacrifícios, também não adianta nada.

Posso confidenciar que para nós era mais económico estar a importar directamente da fábrica no Japão as Dyna do que montá-las cá. Não o fazemos porque tivemos sempre por parte dos trabalhadores uma postura de cooperação. Essa é a nossa política e continuará a ser. Se tivermos essa colaboração, que apesar de tudo ter limites, continuaremos a apostar no sector.

Mediante a sua concepção do que é um empresário, temos muitos em Portugal?

Sim. Estou convencido que temos bons empresários e com tendência para melhorar.

Já disse que o grupo “está sempre em reestruturação”.“ Nesta altura, “as empresas devem ter reservas para suportar uma crise tão grande”, sublinhou. O grupo tem essas reservas?

Sim, e por muitos anos. Não lhe sei dizer quantos, porque essas coisas dependem de muitos factores. Mas o grupo está muito saudável. Temos fôlego para aguentar esta crise.

Continuam a cair na produção de automóveis na Salvador Caetano. Fizeram menos de 100 em Janeiro. Como inverter esta queda vertiginosa?

Estamos dependentes do mercado externo, e o mercado nacional está como está. Cá já temos uma penetração de 25%, e penso que não devemos crescer mais do que isso. Se houver abertura para mercados em que estamos crescerem, muito bem, senão não há nada a fazer. Temos tido uma boa relação com os colaboradores que são flexíveis.

O banco de horas está a funcionar?

Na realidade não existe. Mas eles merecem que nós façamos esse sacrifício E é uma equipa a que não queremos hipotecar o futuro porque vamos precisar deles.

Mas como se mantém uma fábrica com apenas oito carros por dia?

Para estarmos no ponto crítico devíamos fazer 2.800 unidades por ano, o que daria 10 por dia. Aquela fábrica já teve 600 pessoas e agora tem menos de 200.

Disse no ano passado que ou aumentavam a produção, ou tinham um novo carro a ser produzido, ou tinham de despedir 200 trabalhadores. Em que ponto está esse processo?

A Dyna continua e já teremos um novo modelo garantido a partir de 2016.

Qual?

Não posso dizer.

Qual o aumento que trará à produção?

Iremos para as 3.500, 4.000 unidades por ano. Um aumento de mais de dobro.

Que reacção teve na fábrica?

Fui lá dar a notícia e dei-lhes os parabéns, porque se eles não têm tido o comportamento responsável, já tinha atirado a toalha ao chão.

Então não será necessário fazer nenhum reajustamento em Ovar?

Entenda isto: na Salvador Caetano estamos sempre em reajustamento. Pode acontecer, porque até 2016 tenho este volume de produção (cerca de 1.500 viaturas) e depois cresço. Até lá terei de fazer ajustes. Mas se hoje temos 190 trabalhadores, com o novo modelo serão muitos mais. Todavia, se este não existisse seriam todos despedidos, provavelmente.

No ano passado lançaram um processo de despedimento colectivo de 37 pessoas na Caetano Auto. Este ano há risco de haver mais algum processo?

Não posso prometer. Pode acontecer, dentro de um plano de reestruturação constante. São os mecanismos que temos, e vamos até onde podemos na flexibilização. Enquanto nós podermos ter uma situação que nos permita evitar essa situação, fazemo-lo.

O ano passado fez-se um pouco de barulho em relação a esse aspecto, mas a Caetano Auto tem quase mil trabalhadores e pouco mais de 30 pessoas é percentualmente muito pouco. Apesar de bastar apenas uma para não dormir. Na fábrica de Ovar, se não tivesse essa postura, já tinha feito um despedimento colectivo, porque estamos subocupados. Pautamos a nossa actuação sempre pela negociação, também nos excedentários. Há quotas para despedimentos individuais, o que empurra muitas empresas para despedimentos colectivos. É uma época extraordinária, que requer medidas extraordinárias.

Percebo do seu discurso que há um claro desfasamento entre as encomendas do grupo e a estrutura que dispõe. Até quando é possível manter esta situação?

A resposta está na prática que o grupo tem tido desde a sua origem. Nunca foi a nossa estratégia distribuir lucros, portanto os investidores, a família, criou reservas enormes. Esta é a pior crise, mas já vivemos outras. Todas as crises que passámos foi à custa dessas reservas, se não as tivéssemos constituído não estaríamos aqui. Esperamos que a crise não dure uma década, mas mesmo que ela dure nós vamos aguentar. No entanto, se começar a cair tudo a volta, seremos afectados.
Perfil: Braço direito de Salvador também está para ficar José Ramos tem 66 anos, os mesmos que o império Salvador Caetano. A união fundadora é meramente circunstancial, para depois se tornar matrimonial na sequência do casamento com uma das duas filhas do criador do grupo, Maria Angelina.

Ramos já era o braço direito de Salvador Caetano em vida. E na reorganização do grupo depois da morte do patriarca, ficou com a presidência da Toyota Caetano Portugal. É uma empresa do grupo cotada em bolsa, que representa cerca de um terço dos 6.600 trabalhadores do grupo e um quinto da facturação global de 2,4 mil milhões de euros.

Na conversa com o Negócios, mostra-se consciente dos difíceis desafios do grupo, mas responde a tudo com a calma que as décadas de experiência lhe deram e a segurança de quem está para ficar.

Fonte: Negócios

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