Um industrial que disponha apenas de mão-de-obra barata não tem qualquer incentivo para investir em novas tecnologias e, consequentemente, subir na escala de valor. Precisa de mão-de-obra qualificada, mas para isso tem de lhe pagar bons salários. “É um problema de pescadinha de rabo na boca”, afirma Hermínio Afonso, partner da PwC e coordenador do estudo “Os principais desafios da indústria em Portugal”, documento ontem apresentado no Palácio da Bolsa, no Porto.

Qual é o ponto da situação da indústria portuguesa? Pesa 24% no PIB – mas já contribuiu com 29% em 1995 -, dá emprego a 833 mil trabalhadores na indústria extrativa e transformadora e pesa 24% na população empregada, abaixo dos 30% que chegou a representar em 1995. Quais são os caminhos para reindustrializar o país, um desígnio ontem defendido por Rui Moreira, presidente da Associação Comercial do Porto, durante a apresentação do estudo?

A PwC consultou dois painéis, um em Lisboa e outro no Norte (30 pessoas no total), constituídos por industriais, académicos e profissionais da banca. O resultado aponta para a necessidade de a indústria procurar novas soluções, mas o Estado não deverá furtar-se ao seu papel de auxiliar do investimento.

Produtividade
“Em Portugal temos um problema de pouco valor acrescentado bruto por capital empregue ou por trabalhador, devido, em grande parte, a métodos de trabalho pouco estruturados e não tanto ao número de horas trabalhadas por semana”, referem os relatores, no estudo. “Numa fábrica automatizada, com 20 ou 30 trabalhadores a gerir linhas de produção, o valor acrescentado por trabalhador é elevadíssimo. Mas se eu tenho um conjunto de máquinas relativamente obsoletas, em que há uma componente de mão-de-obra intensiva, é evidente que o valor acrescentado por hora trabalhada é muito menor”, explica Hermínio Afonso, em declarações ao Dinheiro Vivo antes da apresentação oficial.

“Um país com mão-de-obra barata é geralmente um país de baixa produtividade”, concluíram os membros dos painéis consultados. Esta lógica contraria afirmações recentes de Belmiro de Azevedo, chairman da Sonae, mas corrobora posições de figuras como o presidente da República, Cavaco Silva. “Não é no custo da mão-de-obra que podem ser encontradas as soluções para o problema da produtividade na indústria portuguesa. Contudo, é necessária uma legislação laboral mais adaptada às necessidades de algumas empresas, nomeadamente as que trabalham por turnos”.

Mas a produtividade não se mede apenas pelos custos com pessoal. A energia representa um peso enorme e crescente para a generalidade das empresas, tanto pelo impacto direto dos custos nas receitas, como pelo enfraquecimento da competitividade. “Temos já custos de energia, mais altos do que os dos nossos concorrentes, começando por Espanha, onde os combustíveis são bastante mais baixos – o mesmo acontecendo com a energia elétrica”, sublinha Hermínio Afonso.

Financiamento é preciso
A questão do financiamento da indústria é outra pescadinha de rabo na boca. “As grandes empresas exportam mais, têm mais capitais próprios e, logo, mais fácil acesso ao financiamento. A dimensão influencia a possibilidade de investir num dado mercado, mesmo perdendo dinheiro durante um ou dois anos”, explica o partner da PwC.

“No cenário atual, as empresas portuguesas são penalizadas pelo risco da República Portuguesa e, por isso, pagam um prémio de risco superior ao que pagaram nos últimos anos”, refere o estudo. As taxas de juro para novas operações em Portugal, relativas a empresas não financeiras, ficou em 7,08% até um milhão de euros de empréstimo e era de 7,54% em 2008, no pico da crise. Desde então para cá, pouco melhorou. Daí que os membros dos painéis tenham recomendado a criação de mecanismos para mitigar este problema, através da criação de um banco de fomento, da atribuição dessa função à Caixa Geral de Depósitos ou por via da criação de programas de incentivos coordenados com os bancos privados.

O secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação, Franquelim Alves, reconhece que o financiamento é um problema. “Daí as medidas especiais para as PME, “todas funcionam a médio e longo prazo, alavancadas com garantias do Estado, estabilizando as necessidades das empresas a médio prazo, algo que está a funcionar”, referiu ontem.

Ultrapassar a dimensão
“O mundo global voltou a empresas (PME)”, refere o estudo. Porquê? As PME estão a conseguir conquistar mercados fora da União Europeia. O estudo refere que as empresas que proporcionalmente mais exportam são aquelas que se situam no escalão de 100 a 500 colaboradores, exportando perto de 50% do seu volume de negócios, e onde mais de 25% das empresas exportam mais de 75% do volume de negócios, com especial ênfase nas indústrias do papel e celulose, componentes automóveis e química (incluindo plásticos e têxteis sintéticos).

Mas como se consegue ultrapassar as debilidades da pequena dimensão? “No calçado, a associação do sector desenvolveu uma importante atividade de promoção no estrangeiro. Não estamos a falar de grandes empresas que estão a atacar os nichos. Este exemplo não tem acontecido, por exemplo, no têxtil”, refere Hermínio Afonso.

Organização do trabalho
“Há um conjunto de empresas que, quando são bem organizadas – caso da Autoeuropa ou da Bosch -, têm sucesso”, refere o partner da PwC. Essas grandes organizações são competitivas com outras zonas do mundo, mesmo onde a mão-de-obra é mais barata. A questão não é do conhecimento e qualidade das pessoas, mas da organização do trabalho. O estudo questiona por que motivo muitas empresas fornecedoras da Autoeuropa não vendem para os restantes fabricantes automóveis do continente europeu. A dimensão é o problema.

Fonte: Dinheiro Vivo

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