A crise do petróleo tem sido sentida com especial intensidade em Angola. Tanto que a sua economia deverá crescer menos de metade do que se previa no início do ano.

A escassez de dólares, contenção da despesa pública, adiamento de grandes projetos e revisão das receitas previstas não estão a passar ao lado das relações económicas com Portugal, desde logo pelas exportações. Só em setembro, as vendas a Angola caíram 42%. No entanto, Angola continua a ser um dos parceiros mais importantes fora da UE e, no total, é o sexto maior comprador dos produtos nacionais. Era o quarto, antes da crise petrolífera. “Sem incluir o setor petrolífero, Portugal é o principal fornecedor de mercadorias a Angola”, afirma Paulo Varela, presidente da Câmara de Comércio Luso-Angolana.

Nos primeiros nove meses deste ano, Luanda foi responsável por 1,6 mil milhões de euros em exportações de bens, depois de ter feito entrar, no total de 2014, quase dois mil milhões de euros em Portugal. Entre compras e vendas, a balança comercial regista um saldo positivo para Portugal de 647,8 milhões.

Estes números tiveram forte melhoria nos anos da troika, quando as empresas portuguesas se viram forçadas a diversificar a carteira de clientes. No final do ano passado, contabilizavam-se já 9438 empresas portuguesas com exportações para Angola, mais 26% do que em 2010, mostram números da AICEP.

As máquinas e aparelhos, assim como bens alimentares – especialmente vinho e cerveja de malte -, metais comuns (ferro e chumbo, por exemplo) ou bens agrícolas são os produtos nacionais mais vendidos a Luanda, enquanto se importa, especialmente, combustíveis minerais que, posteriormente voltam a ser exportados, em menor quantidade, já refinados.

Não são só exportações

A relação portuguesa com Angola vai muito além do que se vende ou compra. Portugal é um forte investidor naquele país e tem, também nos últimos anos, recebido vários investimentos de peso com origem em capital angolano.

No final do segundo trimestre de 2015, o Banco de Portugal contabilizou 10,81 milhões de euros investidos por Portugal em Angola, num total de 2,22 mil milhões (stock). Estas apostas têm sido feitas nas mais variadas áreas da economia angolana. Carlos Matias Ramos, bastonário da Ordem dos Engenheiros, salienta o peso dos negócios no setor da construção em África, que representa já “76% dos trabalhos realizados pelas empresas portuguesas no exterior”, enquanto para as empresas europeias “este mercado constitui apenas cerca de 9% da atividade internacional”.

Angola é o país que mais tem acolhido os investimentos nacionais. E, diz o bastonário da Ordem dos Engenheiros, as oportunidades para lançar novos projetos parecem não se esgotar. Mantêm-se carências em “áreas determinantes como o abastecimento de água potável às populações; o saneamento básico; a satisfação das necessidades de água para a agricultura, área com grandes potencialidades; as infraestruturas de transporte – estradas, caminhos de ferro, portos e aeroportos -, que garantam a conectividade interna e externa, fundamentais para melhorar as condições económicas e sociais do país”.

Angola representa cerca de 40% da faturação das empresas portuguesas do setor da construção que operam em mercados externos, o que significa pelo menos dois mil milhões de euros anuais, de acordo com a Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços (AECOPS). Mota-Engil, Somague e Teixeira Duarte são alguns exemplos de empresas que têm apostado em Angola. Mas há outros tanto na área das bebidas (Central de Cervejas), alimentação (Delta) ou nos transportes.

Investimentos lá e cá

Em 2014, entraram em Portugal 4,5 mil milhões de euros em investimento direto estrangeiro (IDE). Desses, 436,9 milhões tiveram origem em Angola. Este ano, segundo dados do Banco de Portugal, contabilizaram-se no segundo trimestre 7,2 milhões investidos em Portugal por angolanos, um valor inferior aos 19,7 milhões do mesmo período de 2014, menos 63,4%. Mas o stock de IDE angolano ascendeu, nesse período, a 1,7 mil milhões de euros.

“As parcerias assumiram um cunho efetivamente bilateral, com as empresas angolanas a avançarem com estratégias de internacionalização, tendo Portugal como primeiro destino e porta de entrada para o mercado mais vasto da União Europeia”, afirma Paulo Varela, presidente da direção da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola (CCIPA). Estes investimentos têm surgido nos mais variados setores mas o perfil de quem investe é claro: “Um investidor de porte que procura investimentos de valor avultado e, por norma em setores estratégicos ”, diz Teresa Boino, advogada luso-angolana, da Boino Advogados.

Nos últimos anos, Isabel dos Santos, filha do Presidente angolano José Eduardo dos Santos, tem sido um dos exemplos mais paradigmáticos: em 2005 começou por investir na Galp, onde hoje detém uma participação que ronda os 7%, seguiram-se 19% do BPI; 50,01% da Zopt e, mais recentemente comprou 65% da Efacec Power Solutions. Teresa Boino associa este tipo de investimentos ao “espectro da crise”. Realça que “o investimento angolano em Portugal é importante em volume mas, razoavelmente, limitado em quantidade.”

Troca de remessas

É a outra face das trocas financeiras e parte do trabalho dos emigrantes e expatriados. Nos primeiros dois trimestres deste ano, os angolanos que vivem e trabalham em Portugal enviaram 9,54 milhões de euros para o seu país, mais 102,5% do que em igual período de 2014.

Os portugueses em Angola mostram o reverso da medalha: só em julho deste ano foram repatriados 20,7 milhões de euros, num total 117,9 milhões enviados desde janeiro. A crise está, mesmo assim, a diminuir este contributo para os cofres nacionais, quer pelo regresso de alguns portugueses, como pela dificuldade que têm sentido em ser pagos a tempo – o sindicato da construção fala em 1 a 6 meses de salários em atraso para vários milhares de portugueses.

Numa altura em que Angola dá os primeiros passos para uma substituição de importações por produção própria, Paulo Varela da CCIPA não tem dúvidas de que as relações dos próximos 40 anos se farão de forma diferente. “Será necessário alterar o paradigma das relações económicas e empresariais entre Portugal e Angola, aproveitar as sinergias e as parcerias que se foram estabelecendo e encarar a identidade cultural para reforçar os laços que unem portugueses e angolanos”.

Fonte: Dinheiro Vivo

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