Nos últimos meses tomei consciência de um novo estado de espírito: já não sinto medo. Toda a inha vida profissional tive medo. Medo de falhar. Medo de parecer ridícula. Medo de falar em público.

Medo de não estar à altura do desafio. E, acima de tudo, medo que descobrissem tudo isto.

Ao desenhar um gráfico com as variáveis idade/medo verifico que comecei num nível particularmente alto. Tinha 21 anos quando entrei no mundo de trabalho e vivia aterrorizada com o facto de não saber nada. Reconheço, no entanto, que a ignorância também me protegeu dos horrores que o trabalho me reservava. Com o passar do tempo ganhei ainda mais medo porque, aparentemente, toda a gente sabia o que estava a fazer. Quando esta angústia começava a abrandar mudava de emprego e zás, lá começava tudo outra vez!

As promoções também não ajudaram. Pelo contrário, só pioraram a situação. Ser mãe foi importante porque parte da ansiedade acabou por ser canalizada para a prole, apesar de não ter resolvido o problema subjacente. Há cerca de 10 anos, o medo começou a estabilizar e a esbater-se progressivamente. A experiência diária de fazer as coisas razoavelmente bem ajudou, mas aquilo que surtiu mais efeito foi falhar e perceber que ninguém morre por isso.

Há um ou dois anos, o gráfico voltou a registar uma mudança. Desta vez uma descida a pique. Desde então tornei-me mais temerária e, a manter-se o ritmo, não tarda nada entro na fase “pós-medo”. Senão basta ver o que aconteceu na semana passada, em que tive de discursar num jantar. A sala estava cheia de gente importante e quando me encaminhava para o palanque pensei: “Esqueci-me de alguma coisa…”. Nada disso. Perdera o medo.

Para perceber se o fenómeno é comum a outras pessoas, andei esta semana de papel e caneta em punho a pedir a amigos e colegas da minha idade para desenharem o seu gráfico do medo. Conclusão: não sou original. Os gráficos apresentam diferenças, é certo, mas todos confluímos: a maior parte das pessoas entre os 50 e os 55 anos apresentam os mesmos “sintomas”. Só duas ou três pessoas com quem falei disseram estar hoje tão aterrados como no início da sua carreira. Percebe-se porquê: têm cargos de grande, enorme, responsabilidade.

Para os comuns mortais, como eu, há muitas razões para perder o medo nesta idade. Algumas coincidem com aquelas que fazem de nós pessoas mais felizes: o grosso da carreira já é passado, somos menos ambiciosos e temos a nossa estabilidade financeira salvaguardada, por isso, não vivemos aterrorizados com a perspectiva do despedimento. Estamos em paz: tanto sabemos aquilo em que somos bons como aquilo em que somos maus.

A fase pós-medo deve ser absolutamente fantástica! Não imagino nada melhor do que chegar ao fim de uma semana de trabalho sem ter sentido um único nó no estômago. Além disso, dormimos melhor e andamos mais bem-dispostos. Mas também tem os seus perigos.

No tal jantar fiquei sentada junto a um ex-CEO que me disse que os “cinquentões” são os mais difíceis de gerir por serem os melhores – e os piores – colaboradores. A sua maior qualidade é serem honestos e todas as empresas precisam de ter gente que diz a verdade. Sem papas na língua. Este é o lado bom. O lado mau é que podem tornar-se complacentes e excessivamente confiantes, e quanto mais alto o cargo piores as consequências.

O medo é fundamental para as empresas se manterem dinâmicas. Não falo do medo imposto por um autocrata, mas sim do medo de não sermos suficientemente bons naquilo que fazemos. Não conheço melhor motivação, aliás. Não fosse o medo de sermos uma nulidade e seríamos uma verdadeira “nódoa”. Resumindo, para não nos tornarmos nuns perfeitos mentecaptos, o melhor é ter medo de não ter medo.

Fonte: Económico

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