Nos últimos anos, as principais agências de notação financeira – Moody’s, S&P e Fitch – têm estado nas bocas do mundo devido aos cortes sucessivos da dívida soberana, especialmente dos países da Zona Euro. Mas ontem as coisas passaram-se de forma diferente. A Moody’s não fez declarações de amor, muito pelo contrário: desceu a classificação da McGraw-Hill, casa-mãe da S&P. Há já quem lhe chame ‘facada nas costas’.

A agência Moody’s anunciou ontem ao final do dia um corte de “rating” de uma das suas pares, a Standard & Poor’s. Mais concretamente, reduziu a notação da McGraw-Hill, que detém a S&P.

A justificar a decisão está, nomeadamente, o facto de a Standard & Poor’s estar a ser alvo de processo por parte do Departamento de Justiça dos Estados Unidos devido aos “ratings” ‘triplo A’ atribuídos a toda a espécie de títulos financeiros estruturados. Esses títulos, endossados a hipotecas, chegavam a estar estruturados por vacas e a “outro tipo de lixo financeiro que se tornou inútil durante a crise financeira”, nas palavras da revista “Barron’s”. Esse processo poderá levar a S&P a ter de pagar cinco mil milhões de dólares por danos e prejuízos.

O curioso é que a própria Moody’s poderá ser alvo do mesmo tipo de processo… Mas não foi isso que deteve a agência de cortar a classificação de uma das suas irmãs – sim, porque as três principais agências são conhecidas como “as três irmãs”. E o corte foi duro: a S&P fica a apenas dois níveis acima de “lixo”, já que viu a sua notação reduzida em dois escalões, de ‘A3’ para ‘Baa2’.

Esta decisão da Moody’s – que divulgou, além disso, que pode voltar a descer a classificação da S&P – não deixa de ter “um toque de ironia”, comentou à “Barron’s” um analista do Deutsche Bank, Jim Reid.

Já a CNBC refere que “a Moody’s pode, muito simplesmente, estar a atirar pedras de cima de um telhado de vidro”. Isto porque também esta agência – cujo accionista maioritário é o investidor multimilionário Warren Buffett – atribuiu notações ao mesmo tipo de produtos estruturados. Ou será que só a S&P é que está em cheque?

S&P: estarão os EUA a retaliar?

A resposta ainda não é sabida, uma vez que outras agências poderão vir a ser igualmente alvo do mesmo tipo de processo em tribunal. Mas o certo é que, de momento, a S&P é que tem estado “debaixo de fogo” neste caso em concreto.

O facto de a Standard & Poor’s ter sido a primeira – e, até agora, a única – das três grandes agências a cortar o “rating” máximo dos Estados Unidos é algo a que os analistas não ficam alheios. Até porque, apesar de não haver ataques deliberadamente oficiais contra a agência, a maioria dos comentadores citados pela imprensa internacional considera que há aqui uma certa “vingançazinha” por parte do governo norte-americano.

Tudo aconteceu no Verão quente de 2011, numa altura em que o Congresso norte-americano não conseguia chegar a acordo quanto ao patamar para o novo aumento do limite de endividamento do país, o chamado “deb ceiling”. E era preciso que houvesse acordo até 2 de Agosto, caso contrário os EUA poderiam entrar em incumprimento. Com efeito, a partir desse dia, o país não teria como pagar os juros das obrigações nem teria dinheiro para financiar os seus programas governamentais.

Perante este cenário, as agências Moody’s, Fitch e S&P colocaram a dívida soberana dos EUA sob vigilância negativa. O acordo no Congresso aconteceu, mesmo em cima da hora, com um aumento do limite de endividamento em 2,1 biliões de dólares. Ao mesmo tempo, comprometeu-se a reduzir a despesa em 2,4 biliões de dólares num prazo de 10 anos.

Consequentemente, a Moody’s e a Fitch não concretizaram a ameaça. Mas a Standard & Poor’s fê-lo, defendendo que o compromisso para a redução da despesa deveria ter rondado os quatro biliões de dólares. Na sua opinião, um corte de 2,4 biliões poderia não ser suficiente para estabilizar o nível da dívida.

Assim, a 6 de Agosto de 2011, a S&P cortou o rating soberano dos EUA de AAA para AA+, justificando-o com o facto de o país poder não conseguir reduzir o seu elevado défice orçamental. Nunca nenhuma das “três irmãs” tinha tocado no “grande pai”, já que todas tinham nascido nos Estados Unidos.

A agência de rating Egan-Jones tinha descido a classificação dos Estados Unidos antes da S&P, mas a decisão desta agência de menor dimensão não teve impacto. O mundo tinha as atenções concentradas nas três grandes.

O governo de Barack Obama criticou ferozmente a decisão da agência, apontando-lhe um erro de cálculo. Apesar desse erro, no valor de dois mil milhões de dólares, que foi reconhecido pela S&P, a agência disse que os seus pressupostos se mantinham, pelo que não voltou atrás no seu parecer sobre a qualidade do crédito da dívida pública norte-americana.

Casualidade ou não, dois acontecimentos de relevo sucederam na S&P após este corte de rating: a 22 de Agosto, o presidente da agência, Deven Sharma, anunciou a sua saída; e no mês seguinte a McGraw-Hill anunciou uma reorganização do grupo que resultou na sua divisão em duas empresas. E são ambos os ramos de actividade – educação e finanças – que estão agora a apenas dois degraus de entrarem na categoria especulativa, o que, na linguagem mais comum das agências de “rating”, é o mesmo que “lixo”.

Fonte: Negócios

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