É um dos empresários mais importantes do Portugal pós-1974. Miguel Cadilhe e Eduardo Catroga, entre outros, explicam porquê.

Entre os abundantes encómios e as previsíveis referências bastamente elogiosas que a totalidade dos empresários, gestores e economistas ouvidos pelo Diário Económico sobre a personalidade de Belmiro de Azevedo quiseram deixar registado, houve uma que serve de resumo assertivo: “O patrão da Sonae é um homem de rupturas criadoras”.
Conheceram-se em 1973: “Quando acabei o curso de Economia fui chamado a uma entrevista na Sonae, com Belmiro de Azevedo, e guardo desse primeiro encontro a ideia de um homem com muita energia e uma enorme capacidade de captar”.

Apesar disso, o jovem economista acabaria por optar – “nessa altura ainda era possível optar pelo emprego que se queria ter” – por ingressar no Banco Português do Atlântico (BPA), mais tarde deglutido pelos movimentos de consolidação da banca, algures no final do século passado.

Voltariam a encontrar-se mais tarde, desta vez de forma menos simpática: em 1987, Belmiro de Azevedo aproveita um artifício do Código das Sociedades para capitalizar o encaixe realizado com sete operações públicas de venda de empresas do grupo (Agloma, Ibersol, Modelo Continente, Publimeios, Robótica, Selfrio e Viacentro). As operações permitiram à Sonae ter acesso a benefícios fiscais previstos pela legislação da altura, de que resultou um encaixe de 20 milhões de euros.

O jovem economista, que em 1973 conhecera Belmiro durante uma entrevista de emprego, era agora ministro das Finanças. “Tive de agir e accionar alguns meios, era obrigação funcional do Ministério das Finanças”, recorda Miguel Cadilhe ao Económico. É que o caso das sete OPV criou uma onda de protestos que chegaram a ter consequências políticas – nomeadamente com a queda de um secretário de Estado do Tesouro, Manuel Carvalho Fernandes, e a que o Ministério não podia ficar indiferente: no início de 1988 Cadilhe decide investigar os termos das operações, num processo judicial que demorou longos anos, mas terminou com o seu arquivamento.

Miguel Cadilhe assegura que o caso “não atingiu em cheio as relações” entre ambos. “Continuámos a ter um respeito mútuo, temos excelentes relações”. A pontos de estar presente na celebração de amanhã. Mas o antigo ministro concorda que o episódio demonstra que Belmiro não olha para nomes quando se trata de defender os interesses do grupo.

Sonae em primeiro lugar
É um tema a que outros voltaram: “Há quem defenda a melhor opção para o país; Belmiro de Azevedo defende sempre a melhor opção para a Sonae. Parece aquele antigo ‘slogan’ que dizia que o que é bom para General Motors é bom para a América”.

É outro antigo ministro das Finanças quem o afirma: Eduardo Catroga, que também manteve demorados desentendimentos com o empresário. “O nosso relacionamento teve três fases; a primeira foi de grande apreço recíproco, em que eu era o melhor ministro das Finanças de sempre; na segunda fase, passei a ser o pior ministro das Finanças de que havia memória”. No meio tinha havido a OPA do BCP sobre o BPA. Belmiro vivia o sonho de controlar o banco do Norte, tendo para isso arregimentado a maioria dos grandes empresários acima do Mondego. Mas Catroga não foi na conversa: o núcleo duro que controlava o BPA – com a conivência do CEO de então, João Oliveira – era para o ministro das Finanças uma extensão do próprio Belmiro (o que ficava provado pela existência de uma opção de compra do patrão da Sonae sobre as acções de todo o núcleo duro). O banco foi parar ao BCP e ao grupo Mello e Belmiro voltou a perder uma aposta no sector (com simpáticas mais-valias de 100 milhões de euros).

“Demorou meia dúzia de anos a voltarmos a cumprimentarmo-nos, o que sucedeu num voo entre Lisboa e Porto, mas nunca voltámos a ter uma relação tão amistosa”, conta Eduardo Catroga para caracterizar a terceira fase do seu relacionamento com Belmiro de Azevedo. “Ele sabe que eu tenho razão. Já lhe perdoei há muito esse pecado de avaliação subjectiva da minha pessoa”, diz, para concluir que o patrão da Sonae é “o melhor empresário do país pós-1974”.

A derrota no BPA não tinha sido a primeira passagem de Belmiro na área da banca: “A minha convicção é que Belmiro foi à privatização do Banco Totta e Açores

[onde chegou a ter uma posição de 10%] para fazer mais-valias para comprar o BPA”, recorda Alípio Dias, ex-secretário de Estado do Tesouro e dirigente daquele banco, que conheceu o patrão da Sonae “quando ele era um excelente jogador de andebol do FC Porto”. “Fez mais-valias importantes [na altura avaliadas em 15 milhões de euros] em negociações difíceis, mas sempre com isenção e lisura total”, recorda.

O melhor da democracia
Estes episódios – contados por responsáveis que em determinada altura se confrontaram de forma mais ou menos pública e violenta com Belmiro de Azevedo – são demonstrativos de quase todos os ‘highlights’ da sua forma de ser empresário: duro nas negociações – que lidera com base nos interesses do grupo que dirige; independente e incapaz de qualquer subserviência face ao poder político; astuto, visionário e mesmo inovador em relação às envolventes legais sociais e políticas.

Resta acrescentar que é capaz de alimentar questiúnculas pessoais – como quando disse de Marques Mendes que ele não serviria nem para porteiro de supermercado (o actual comentador, contactado pelo Económico, disse apenas: “Nunca privei de perto com Belmiro de Azevedo, não me sinto à vontade para falar dele”), ou que nunca mais falaria com Carlos Tavares, actual presidente da CMVM. E que nunca se deixou encadear pelos muitos milhões que amealhou, chegando mesmo alguns a tê-lo como ‘forreta’: “Estava um dia com ele no Aeroporto de Lisboa, nos anos 90 e ele tinha de ligar para casa, mas não tinha telefone pessoal; pediu o meu emprestado, para ligar à mulher a dizer-lhe que nesse dia, ao jantar, só queria sopa. Manteve esta raiz de austeridade nos negócios”, contou ao Económico um professor universitário que preferiu não ser identificado.

Belmiro de Azevedo ficará para a história como um dos mais importantes empresários portugueses saídos da Revolução de 1974 – que soube construir um grupo gerador de muitos milhares de empregos – e que, mesmo nas derrotas, saiu sempre a ganhar (para além do Totta e do BPA, também saiu da Portucel em litígio com os políticos e uma mais-valia de 75 milhões). Ou quase sempre: na OPA à PT não ganhou nada de mensurável mas, face ao que se sabe hoje, e como concluía Cadilhe, “Belmiro merecia ter ganho o negócio e há hoje razões para reforçar essa afirmação”.

Fonte: Económico

Comentários

comentários