A extensão de benefícios concedidos à Grécia não seria necessariamente mal vista no mercado. O impacto depende, contudo, do tipo de acordo que Atenas conseguir – e não só.

À reivindicação de um perdão de dívida pública, vários governos e instituições europeias têm respondido ao novo governo grego com um rotundo “não” – ao mesmo tempo propõem a facilitação dos termos de pagamento, como prazos mais longos e juros mais baixos, algo previsto desde o final de 2012. O figurino final de um acordo europeu para a Grécia é ainda incerto, mas poderiam Portugal e a Irlanda beneficiar de uma melhoria das condições nos seus empréstimos após as cedências a Atenas? À partida sim, respondem vários analistas financeiros sondados pelo Diário Económico – mas depende do que o governo grego conseguir.

“Consigo imaginar que Portugal venha a beneficiar de um acordo grego”, admite Ciaran O’Hagan, que lidera o departamento de dívida europeia do Société Générale, em Paris. “Teria seguramente um caso mais forte do ponto de vista moral para defender o seu caso”, acrescenta.

O PS defendeu na passada-sexta feira no Parlamento que se a Grécia e a União Europeia chegarem a algum acordo sobre a renegociação da dívida este nunca terá uma aplicação bilateral. O deputado socialista Vieira da Silva contestava desta forma a posição adoptada pelo Governo e pela maioria parlamentar, que não acreditam no sucesso da agenda do governo liderado pelo Syriza e que têm vincado as diferenças entre Portugal e a Grécia.
Para quem observa de fora parece à primeira vista natural que Portugal e a Irlanda se posicionem para virem a beneficiar de um acordo grego.

“Como Portugal e a Irlanda estiveram numa situação tão difícil que precisava de ajuda seria estranho não o fazer

[melhorar as condições], especialmente quando o seu ‘nível de cumprimento’ com os termos do programa tem sido muito maior do que o da Grécia”, explica David Schnautz, que dirige o departamento de ‘research’ do Commerzbank, em Nova Iorque.

Os dois países concluíram os respectivos programas da troika e reconquistaram acesso a um mercado dinamizado pelo Banco Central Europeu, beneficiando agora de taxas de juro a mínimos históricos. Contudo, quer Portugal, quer a Irlanda têm rácios e serviços de dívida elevados – no caso português a factura dos juros (que inclui dívida à troika e a privados) pesa 5% do PIB.

“Se a Grécia conseguir um alívio sem condições Portugal deve pedir o mesmo”, afirma Christian Schulz, que no departamento económico do banco Berenberg segue Portugal. “A questão está, contudo, em saber se a Grécia consegue isso”.

Os “mas” da questão

Se do ponto de vista teórico quem segue – e informa – o mercado parece não ter objecções a uma extensão de benefícios a Portugal e à Irlanda, na prática são apontadas algumas limitações – e potenciais desvantagens.
“Se os termos forem alterados ‘apenas’ nos empréstimos bilaterais cedidos à Grécia no primeiro resgate então não há nada para copiar para Portugal e para a Irlanda”, comenta David Schnautz.

Por outras palavras: apenas as cedências no empréstimo feito no segundo resgate, usando o extinto Fundo Europeu de Estabilidade Europeia (FEEF), seriam replicadas, “como já se viu no passado”, aponta Schnautz. Uma vez que a Grécia beneficia de taxas de juro próximas de 0% nos 140 mil milhões do segundo resgate, a margem para ganhos estaria no aumento dos prazos.

Mas há mais obstáculos potenciais. O primeiro está no acolhimento que o mercado de dívida poderá dar a um pedido oficial das autoridades portuguesas. Os três analistas realçam que, para o mercado, o caso português é diferente do grego (algo visível nas taxas em mercado secundário) e que o potencial de contágio com a incerteza actual é “limitado” – no entanto, há quem alerte para desvantagens na percepção dos investidores.

“A única questão negativa que vejo é de falta de confiança”, afirma Christian Schulz. “Se Portugal pedir um alívio aos credores do sector oficial os investidores privados podem pensar que virão a seguir”, acrescenta.
Um gestor de fundos num banco estrangeiro em Portugal, que preferiu o anonimato, vê limitações maiores a um pedido em público à Europa. “Portugal vai emitir dinheiro a juros muito baixos para pagar antecipadamente ao FMI e um pedido de alívio não seria bem visto”, explica. “Até é possível que Portugal venha a beneficiar de uma extensão, mas é uma questão que do ponto de vista do mercado é mais aceitável se for tratada nos bastidores”, acrescenta.

Fonte: económico

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