Agência Europeia de Patentes distingue pela primeira vez equipa nacional

Se soubessem que a boa ideia ia chegar aos Óscares da inovação na Europa – leia-se Prémio Inventor do Ano da Agência Europeia de Patentes – tinham tomado nota do momento preciso do eureka. Assim é preciso dizer em primeiro lugar que o que vai parecer o milagre da multiplicação da cortiça não caiu do céu: são pelo menos 30 anos de estudos em torno desta matéria preciosa, catalisados por um desafio lançado pela corticeira Amorim. Não caiu do céu, mas parece graça divina: os investigadores portugueses conseguiram perceber como fazer uma peça de cortiça render mais 40% em média e no máximo 85%. Isto posto em rolhas dá, por cada dez rolhas, mais umas três ou quatro sem ser preciso esperar que a árvore volte a renovar a casca, processo que demora nove anos e não dura para sempre.

Estava-se ainda na década de 1990 e o grupo de Helena Pereira, professora do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e vice-reitora da Universidade Técnica de Lisboa, viu-se com uma parceria industrial, movida pelo interesse da corticeira de tornar as suas produções mais rentáveis. “Entre as várias áreas que começámos a investigar surgiu uma ideia relativamente pouco complexa de aumentar o volume dos granulados de cortiça”, explica Helena Pereira, reconhecida a nível internacional pelos trabalhos pioneiros na área da engenheira florestal.

Apoiada por António Velez, também do ISA e com um doutoramento centrado na química da cortiça, resolveu tentar algo nunca feito. A nível molecular, explica a investigadora, a cortiça tem uma estrutura semelhante à dos favos de mel, com várias células alinhadas. Existe, contudo, uma singularidade: as paredes são curvas, o que ocupa espaço. E se as pudessem endireitar?

Sem desvendar muito do segredo – afinal estamos a falar de uma tecnologia patenteada a nível internacional desde 2011 -, este alisamento, que aumenta o tamanho das células e consequentemente o volume da peça de cortiça, acabou por se revelar simples de obter. Bastava que a peça contivesse alguma humidade e fosse exposta a microondas, que tratam do resto, como quando se põe uma coisa a aquecer e fica rija. A magia a nível molecular acontece e a nível industrial torna-se ainda mais visível: com as mesmas peças – e há que pensar que um sobreiro até dar cortiça tem de se aguentar 25 anos e depois tem este filho umas 19 vezes até arrumar as botas – torna-se possível fazer muito mais do que até aqui.

“Até agora só testámos esta operação com granulados, ou seja, os excedentes de peças naturais que são processadas. Mas isso não implica que não possa ser aplicado noutras peças”, explica Helena Pereira.

Assim, não estamos ainda a falar de multiplicar rolhas naturais, o ex-líbris da cortiça nacional e exigência dos principais produtores de vinho de qualidade. Mas a hipótese não está excluída. Para já, dá para rolhas sintéticas, materiais de revestimento ou peças de mobiliário, entre as inúmeras utilizações de um sector que só na Amorim gera 300 milhões de euros por ano. A nível nacional, as exportações de cortiça e derivados atingiram em 2012 os 845 milhões de euros, um aumento de 10% em relação a 2010.

O EMPURRÃO DA INDÚSTRIA A trabalhar para a Amorim desde os anos 90, um dos pontos assentes era que qualquer patente seria propriedade da empresa. Assim aconteceu com esta, que foi concedida pela Agência Europeia de Patentes em 2011 e agora põe pela primeira vez Portugal na short-list para o Prémio Inventor do Ano na categoria Indústria. “Foi uma surpresa, sobretudo numa categoria em que Portugal é ainda menos expressivo”, diz Helena Pereira. A burocracia do processo mas também os custos serão alguns dos factores por detrás da fraca protecção de invenções portuguesas na Europa, considera a investigadora.

Para contornar as adversidades técnicas e de financiamento e aumentar a cultura de inovação no país, defende Helena Pereira, uma boa relação entre universidades e indústria pode muitas vezes ser a solução. “Não é que não tivéssemos conhecimentos, mas a Amorim lançou–nos um desafio que nos pôs a pensar num problema prático e a querer ir mais longe. Faz tudo falta: a ciência básica mas também a ciência aplicada. E para isso às vezes é preciso um empurrão.”

Os vencedores do galardão serão conhecidos no dia 28 de Maio numa gala da Agência Europeia de Patentes em Amesterdão. Portugal disputa o prémio na categoria de Indústria com um espanhol que inventou um método para optimizar a condução de comboios e dois austríacos que cunharam um sistema que permite fechar as portas dos armários com maior suavidade. Além do prémio do júri, há uma distinção do público. Para votar basta ir ao site da EPO.

Fonte: Jornal i

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