Em 2009 o Dia do Trabalhador foi para Lula um feriado especial. O ex-presidente exibiu orgulhoso um mini-barril com o petróleo que viria a mudar a vida da Galp. Hoje, as perspectivas são ainda mais luminosas para a petrolífera portuguesa, à boleia do milagre descoberto em 2006 nas profundezas do pré-sal brasileiro.

Quatro anos depois, a comemoração da “independência” brasileira com a primeira extracção oficial de petróleo de Tupi ecoa ainda entre os que então assinalaram o feito com pompa e circunstância no Rio de Janeiro. Alguns actores mudaram, mas a Galp Energia, mantendo os seus 10% no projecto, não só conservou o entusiasmo vivido a 1 de Maio de 2009, como lhe associou, entretanto, a artilharia pesada de gigantescas plataformas de produção que já começaram a ser instaladas no “offshore” da Bacia de Santos.

O projecto de Tupi ficou marcado na história da Galp como um dos mais desafiantes de sempre da petrolífera portuguesa, ao levar a exploração de hidrocarbonetos a um outro nível. Um desafio que implicou descer a camadas cada vez mais fundas no subsolo. Em Tupi, a Galp, a Petrobras e a BG tiveram de aplicar conhecimento, tecnologia e, claro está, capital, para perfurar a camada geológica do pré-sal, a 6 mil metros da superfície do mar.

A 1 de Maio de 2009 o então presidente brasileiro, Lula da Silva, não chegou a visitar o navio-plataforma Cidade de S. Vicente, ancorado a 280 quilómetros do Rio de Janeiro. Na ocasião, Lula e centenas de convidados assinalaram a inauguração de Tupi em terra, porque o porta-aviões que os transportaria à plataforma petrolífera estava em manutenção. “País pobre é assim. A gente vive remendando as coisas”, ironizou então Lula da Silva.

Quatro anos volvidos, os protagonistas da história não são os mesmos. Lula foi substituído por Dilma Rousseff. O campo Tupi herdou o nome do ex-presidente. A Petrobras também passou a ser comandada por uma mulher, com Maria das Graças Foster a substituir José Sérgio Gabrielli. E até a Galp já não é bem a mesma. Da liderança accionista bicéfala, partida entre a italiana Eni e a Amorim Energia, a petrolífera portuguesa passou a ter Américo Amorim como patrão inequívoco. O presidente executivo, todavia, manteve-se. Entre 2009 e 2013 Manuel Ferreira de Oliveira terá ganho mais cabelos brancos, mas também um maior conforto accionista.

A infância sem inocência

A produção no campo Lula, no Brasil, leva quatro anos, ainda na infância da exploração de todo o seu potencial. Porém, o projecto há muito que deixou a idade da inocência. Na verdade, desde que o consórcio da Galp tomou a decisão de aí investir que ficaram definidas as ambições para o campo Lula. No terreno, ou antes, no mar, este empreendimento é já uma âncora para a conta de resultados da Galp Energia.

Quando da inauguração do campo Lula, a 1 de Maio de 2009 (menos de três anos depois da descoberta, que anunciou volumes recuperáveis de cinco a oito mil milhões de barris de petróleo e gás), o navio Cidade de S. Vicente estava a extrair 14 mil barris por dia, um pouco menos de metade da capacidade dessa plataforma. À Galp cabiam então 1.400 barris diários. Uma parcela ainda reduzida, com um valor mais simbólico do que económico.

Hoje o campo Lula está a ser explorado por uma plataforma maior. A FPSO (sigla para as unidades do tipo “floating production, storage and offloading”) Cidade Angra dos Reis atingiu a capacidade máxima de 100 mil barris diários. E é apenas a primeira de dez plataformas definitivas a instalar no complexo Lula – Iracema até ao final de 2017.

Os números mais recentes da Galp, relativos ao primeiro trimestre deste ano, mostram que a produção líquida da petrolífera portuguesa no Brasil (decorrente das suas participações nos vários projectos) já se situa em 11,9 mil barris por dia, acima do que a Galp está a produzir em Angola (pouco mais de 8 mil barris diários). Globalmente, a exploração e produção (E&P) gerou no primeiro trimestre um EBITDA (resultado antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) de 91 milhões de euros, cerca de 36% do EBITDA total do grupo. A tendência é para o peso subir nos próximos anos.

E Daqui em Diante?

Na inauguração do projecto Lula, o presidente da Galp já tinha traçado a meta da auto-suficiência: pôr a Galp a produzir o equivalente às necessidades totais de produtos petrolíferos de Portugal, cerca de 300 mil barris por dia. Mas já nesse momento Manuel Ferreira de Oliveira assumia que esse será um feito a conquistar por um outro CEO, que não ele.

“Não tenho dúvida de que o meu sucessor vai chegar aos 300 mil barris por dia. Não tenho dúvida de que dentro de 10 anos vamos ser auto-suficientes”, comentava há quatro anos o presidente executivo da Galp. Agora as perspectivas para o complexo Lula-Iracema são ainda melhores. O consórcio da Galp reviu em alta o factor de recuperação de hidrocarbonetos neste campo de 23% para 28%.

A produção será rapidamente ampliada com o arranque de uma segunda plataforma, a FPSO Cidade de Paraty. Com capacidade para extrair 120 mil barris por dia, este navio já está instalado no local de produção, já realizou todos os testes de segurança e prepara-se para iniciar a operação de um primeiro poço. Até ao fim do ano mais dois poços estarão operacionais.

O consórcio espera que este ano o Cidade de Paraty produza cerca de 75 mil barris por dia, devendo atingir a carga máxima de 120 mil barris num prazo de ano e meio. Nessa altura, a Galp estará, portanto, a produzir o dobro do nível actual.

Mas a exploração dos recursos do campo Lula está longe de se cingir a estas duas plataformas. Só para esse complexo petrolífero o consórcio da Galp já encomendou outras duas unidades FPSO para poderem começar a produzir em 2016. No total, o projecto Lula-Iracema terá dez plataformas de produção, das quais as primeiras seis sob contratos de “leasing” e as outras quatro construídas de raiz por fornecedores locais (brasileiros) e internacionais.

O calendário do projecto Lula, segundo informou a Galp na sua apresentação dos resultados do primeiro trimestre, prevê que a produção atinja a marca de um milhão de barris por dia em 2016. Nessa altura a Petrogal Brasil terá direito a 100 mil barris diários só neste projecto, ficando a Galp com 70% do valor económico dessa produção, já que os restantes 30% irão para a chinesa Sinopec, que ao aliar-se à Galp no ano passado trouxe o envelope financeiro que irá alavancar os avultados investimentos que o pré-sal brasileiro exigirá.

Na Galp já se trabalha para o pós-Lula

Manuel Ferreira de Oliveira tem noção de que à escala planetária, entre as multinacionais petrolíferas, a Galp está no campeonato das pequenas e médias empresas. Mas isso não impede o gestor de puxar dos galões. “Desde que iniciámos a actividade de exploração, já perfurámos 344 poços, dos quais 275 em águas profundas, o que mostra que a nossa empresa está longe de ser inexperiente”, declarou o CEO da Galp na segunda-feira, a propósito dos resultados do primeiro trimestre.

No que respeita ao Brasil, a Galp assume o interesse no leilão de novas concessões petrolíferas que decorrerá este mês no Rio de Janeiro. A Galp voltará ao “local do crime”, onde, há quatro anos, o Tupi, rebaptizado Lula, foi celebrado como símbolo da independência energética do Brasil.

“O que se vai licitar no Brasil são seis bacias sedimentares que, se tiverem sucesso, estarão em exploração nos

[anos] 20”, sublinha Manuel Ferreira de Oliveira. Ora, como a partir de 2018 a Galp já estará liberta do peso dos investimentos do projecto Lula, e já estará a captar o “cash flow” dessa produção, não faltarão meios para reinvestir em novos projectos, argumenta o CEO da Galp.

“Estamos qualificados [para o leilão de Maio] e temos uma equipa no Brasil e em Lisboa a trabalhar “full time” na análise das seis bacias sedimentares. A Galp vai participar na licitação”, afiança Ferreira de Oliveira.

Há quatro anos, na inauguração do projecto que nasceu como Tupi, Lula da Silva exibia, orgulhoso, uma amostra do petróleo do pré-sal. Depois correriam mundo imagens de Lula com as mãos besuntadas com esse mesmo petróleo. Agora, sem petróleo na mão, mas já com dinheiro em caixa, Manuel Ferreira de Oliveira vai preparando a Galp da próxima década.

Fonte: Negócios

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