Depois da euforia, chega um momento em que é necessário viver de acordo com as possibilidades, mesmo que isso implique abdicar de bem-estar. Esta é a perspectiva com que muitos portugueses estão a enfrentar o actual momento da economia, com reflexos na poupança. Num período de cortes de salários, pensões e outras prestações sociais, o dinheiro canalizado para depósitos e aplicações seguras continua a aumentar, em prejuízo do consumo de bens duradouros como carros e electrodomésticos.

Segundo dados da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, em 2012 as vendas de máquinas de lavar roupa caíram 15%, as de frigoríficos desceram 16% e as de máquinas de lavar loiça recuaram 18,5%.

No sector automóvel, a redução de consumo foi para menos de metade, face aos níveis antes da crise. Em 2008, venderam-se mais de 213 mil ligeiros de passageiros; no ano passado, foram cerca de 95 mil.

“A incerteza e o receio do que poderá ainda ocorrer determinam que, normalmente, em tempos de crise, a poupança acabe por crescer”, explica ao SOL o presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), José Veiga Sarmento.

São vários os indicadores de que os portugueses estão a poupar mais. Só nos primeiros meses do ano, a APFIPP registou a subscrição de mais de 1,1 mil milhões de euros em produtos financeiros sem risco, como fundos de investimento que privilegiam a liquidez e a segurança das aplicações (ler ao lado).

Os depósitos captados pelos bancos em Portugal estão há mais de um ano num patamar histórico, em torno de 130 mil milhões de euros, segundo o Banco de Portugal. E o indicador de poupança calculado mensalmente pela APFIPP e pela Universidade Católica está também no nível mais alto desde 2000. As expectativas das famílias passam por continuar a pôr dinheiro de parte, o que deverá levar a taxa de poupança dos portugueses para cerca de 10% do PIB, segundo este indicador.

Retracção do consumo

Como é possível haver esta evolução com a perda de rendimento disponível? Há um “maior esforço na racionalização das despesas para compensar a diminuição de rendimento”, diz Veiga Sarmento. Com a taxa de desemprego em máximos históricos, os aumentos de impostos e a perspectiva de novos cortes nas prestações pagas pelo Estado, “as famílias procuram reduzir ao mínimo o seu consumo de bens não essenciais e acumular poupanças que possam ser utilizadas em caso de necessidade”.

De acordo com João de Sousa, analista financeiro da Deco Proteste, o aumento da poupança nos últimos anos tem sido conseguido sobretudo à custa da retracção do consumo de bens duradouros: carros e electrodomésticos. “Há sempre uma escolha entre consumo e poupança. Como há uma grande preocupação sobre o futuro, está a haver um enorme esforço em reduzir gastos”, refere.

Contudo, pôr todo o dinheiro em aplicações sem risco pode não ser uma boa opção, diz João de Sousa. “Se houver uma perspectiva de curto prazo, é bom aplicar em produtos sem risco. Mas se o investimento for de longo prazo, é importante que isso aconteça, caso contrário não há rentabilidade”, sublinha o analista.

Os mais ricos poupam mais

Nem a APFIPP nem a Proteste dispõem de dados que pormenorizem o perfil das famílias que estão a poupar mais. Contudo, João de Sousa lembra que as famílias com rendimentos mais elevados são as que costumam poupar mais. Neste momento, a aversão ao risco deverá estar a fazer com que também sejam as famílias mais abastadas a canalizar recursos para os bancos e sociedades gestoras de fundos.

Fonte: Sol

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