Antes de levar a tribunal o processo contra a Apple, por cartelização, o governo norte-americano está a publicar emails internos da empresa. A intenção é demonstrar que a empresa era “cabecilha” de um esquema para estabelecer preços artificialmente elevados nos livros eletrónicos, juntamente com algumas das maiores editoras norte-americanas (que já chegaram a acordo fora do tribunal).

Nestes emails, protagonizados ainda pelo ex-CEO da empresa, é possível perceber como Steve Jobs conseguiu pôr do seu lado o filho do CEO da News Corp.

Mashable analisa extratos destes emails e sublinha a reputação de Jobs como um negociador duro, que conseguiu o que queria com as editoras discográficas e com os estúdios.

Eis a sequência histórica por detrás dos emails libertados pelo governo norte-americano

22 de janeiro de 2010

A Apple preparava-se para revelar o iPad, cujo principal atrativo seria a possibilidade de consumir todo o tipo de conteúdos multimédia, nomeadamente livros. Mas a HarperCollins, uma das maiores editoras, recusava-se a assinar contrato. O presidente do iTunes e App Store, Eddy Cue, foi à News Corp – casa-mãe da Harper Collins – e ao final do dia, os resultados da reunião foram enviados por email pelo CEO da editora, Brian Murray:

“Eddy,
Obrigado por ter vindo cá novamente esta manhã. Discutimos a proposta e queremos ter a certeza que tem um resumo do acordo que a HarperCollins estará disponível para fazer no vosso prazo.

1.Preço: Precisamos de flexibilidade para estabelecer preços título a título fora dos níveis estabelecidos no contrato. Vamos dar o nosso melhor para ir ao encontro dos níveis que discutimos.

2. MFN: Na eventualidade de a HarperCollins e a Apple discordarem no preço ao consumidor para um livro, a HarperCollins precisa de ter a capacidade de disponibilizar esse título através de outros agentes que aceitem o preço mais elevado.

3.Comissões: Precisamos de uma comissão mais baixa nos novos lançamentos para que o racional económico funcione para nós e os nossos autores. Acreditamos que uma comissão de 30% levará a que mais autores peçam que os livros eletrónicos sejam atrasados, um resultado que não vai funcionar nem para a Apple nem para a HarperCollins.

4.A nova janela de lançamentos: Precisamos de ter flexibilidade na janela de agência. Acreditamos que esta hanela deve ser de seis meses e não 12 meses, no caso de um ou mais grandes retalhists não transitarem para o novo modelo de agência. A Leslie vai enviar um contrato ao Kevin que reflete estes pontos, se vocês quiserem avançar nestes termos. Obrigada, Brian

A Apple já tinha assinado contratos com a Penguin e Simon & Schuster, com acordos que permitiam estabelecer o preço dos livros a 12,99 dólares, três dólares mais caros que a média dos livros na Amazon. James Murdoch reencaminhou o email para Steve Jobs e acrescentou:

“Steve,
Obrigado pelo telefonema de hoje, e pela reunião na semana passada.

Falei com Brian Murray e Jon Miller e o Brian vai enviar hoje uma nota ao Eddy. Penso que isto está controlado. Em suma — deverá ser possível chegar a acordo com a Apple— mas existem preocupações legítimas.

O racional económico é simples o suficiente. O Kindle paga-nos um preço grossista de 13 dólares e vende por 9,99 dólares. Um autor recebe 4,20 dólares na venda do livro em papel e 3,30 dólares na venda do livro eletrónico no Kindle. Basicamente – todo o hipotético benefício de um livro sem a matéria-prima e distribuição acumula para a Apple, não para o editor nem para o criador do trabalho. A outra grande questão é um obstáculo. Se não conseguirmos entender-nos num preço justo para o livro, a proposta da tua equipa restringe-nos de disponibilizar esse livro por outro meio, mesmo com preço mais elevado. Isto é demasiado para nós.

Além disso, estamos preocupados em estabelecer preços muito elevados – muitos ebooks custam 9,99 dólares. Uma janela de lançamento com uma comissão mais baixa (por exemplo 10 dólares) nos primeiros seis meses permitir-nos-ia abordar os clientes da Apple com mais entusiasmo. Gostaríamos disso.

Estás à vontade para ligar ou escrever durante o fim de semana para discutir. Estou no Reino Unido (oito horas a mais que na Califórnia).

Steve, não tenhas dúvidas que transversalmente (televisão, estúdios, livros e jornais) preferimos muito mais trabalhar com a Apple que não o fazer. Mas nós e os nossos parceiros que escrevem, editam e fazem tudo connosco, têm visões sobre preços justos e preocupam-se com a flexibilidade futura. Espero que seja possível chegar a acordo, se não a tempo do lançamento, então no futuro.”

A resposta de Jobs seguiu no mesmo dia.

“James,
Algumas coisas a considerar (gostaria que isto ficasse entre nós).

1.O modelo de negócio de empresas como a Amazon, que distribui ebooks abaixo do preço de custo ou sem fazer lucros razoáveis não é sustentável. À medida que os ebooks se tornam um negócio maior, os distribuidores vão precisar de fazer pelo menos um pequeno lucro, e tu vais queres isto também, para que eles investam no futuro do sector com infraestruturas, marketing, etc.

2.Todos os grandes editores nos dizem que o preço de 9,99 dólares da Amazon para novos lançamentos retira a percepção de valor dos seus produtos na mente dos consumidores, e eles não querem que esta prática continue nos novos lançamentos.

3.A Apple propõe dar os benefícios dos custos de um livro sem matéria-prima, distribuição, sobras, custo de capital, má dívida, etc ao cliente, não à Apple. É por isto que um novo lançamento teria o preço de 12,99 dólares, digamos, em vez de 16,99 ou mais. A Apple não quer fazer mais que a pequena margem de lucro que faz com a distriuição de música, filmes, etc.

4.9 dólares por novo lançamento devia representar um modelo de negócio com margem bruta neutra para os editores. Não lhes pedimos para fazerem menos dinheiro. Quanto aos artistas, dar-lhes o mesmo dinheiro que recebem hoje, deixando o editor com o mesmo lucro, é tão fácil quanto enviar-lhes uma carta a explicar que vocês estão a pagar-lhes uma percentagem mais elevada por ebooks. Não vão ficar tristes.

5.Os analistas estimam que a Amazon tenha vendido mais de um milhão de Kindles em 18 meses (a Amazon nunca o disse). Nós vamos vender mais do nosso novo aparelho nas primeiras semanas do que todos os Kindles alguma vez venderam. Se vocês continuarem com a Amazon, Sony, etc, provavelmente vão ficar à margem da revolução dos livros eletrónicos.

6.Os clientes vão querer uma solução ponto-a-ponto, o que significa uma livraria online que tem os livros, gere as transações dos seus cartões de crédito e entrega os livros nos seus aparelhos. Até agora, só duas empresas demostraram lojas online com volumes de transações significativos – Apple e Amazon. A iTunes Store e App Store têm mais de 120 milhões de clientes com cartões de crédito registados e descarregaram mais de 12 mil milhões de produtos. Isto é o tipo de activo que vai ser necessário para escalar o negócio dos ebooks para algo que interessa aos editores.

Portanto, sim, 9 dólares por lançamento é menos que os 12,50 ou assim que a Amazon paga. Mas a situação não é sustentável e não tem uma base sólida sobre a qual se possa construir um negócio.

A Apple é a única outra empresa capaz de ter um impacto sério, e temos já contrato com 4 dos 6 maiores editores. Quando abrirmos as coisas para um segundo nível de editores, teremos muitos livros para oferecer. Gostávamos de ter a HC entre eles.”

Leia mais emails aqui. 

 

Fonte: Dinheiro Vivo

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