Governo garante que as empresas que receberem facturas com atraso não serão penalizadas.

Há uma alteração ao código do IVA, incluída na proposta de Orçamento do Estado para este ano, que está a levantar dúvidas junto do tecido empresarial, nomeadamente entre algumas exportadoras. O Governo quer que a dedução do IVA (a que as empresas têm direito para serem reembolsadas do imposto suportado em despesas da sua actividade) seja feita na declaração correspondente ao período em que a empresa recebe uma factura de um fornecedor ou no período imediatamente a seguir.

Enquanto actualmente há um prazo de quatro anos a contar da data da recepção da factura, o período “passa a ser reduzido ao mês (ou trimestre, no caso de o IVA ser de periodicidade trimestral) ou ao período mensal ou trimestral seguinte ao da recepção da factura”, enquadram os fiscalistas Serena Cabrita Neto e Filipe Abreu, da sociedade PLMJ.

O Ministério das Finanças garante que a intenção desta mudança “não é a de reduzir o prazo para a dedução do IVA, nem se espera dela impactos na receita fiscal”. O que vem fazer é “apenas clarificar o sentido” daquela norma, que suscitava “interpretações divergentes”. O CDS contesta a alteração e, na terça-feira, a deputada Cecília Meireles anunciou à Lusa que vai apresentar uma proposta de alteração ao Orçamento, para que se mantenha o regime actual.

Mas a verdade é que, em vez de uma clarificação, a alteração ao código do IVA prevista na proposta de lei do Orçamento está antes a suscitar dúvidas e a levantar reticências a empresas exportadoras, como as que são representadas pela Associação de Empresas do Vinho do Porto (AEVP), que já enviou uma carta ao secretário de Estado do Orçamento a mostrar as suas preocupações.

Os fiscalistas ouvidos pelo PÚBLICO entendem que a alteração vem determinar uma “forte restrição do direito à dedução”, algo que o ministério liderado por Mário Centeno diz não acontecer. Serena Cabrita Neto e Filipe Abreu dão um exemplo: “Basta pensar no caso de um sujeito passivo de IVA que, recebendo uma factura em Janeiro, por lapso dos seus sistemas administrativos, apenas a regista em Junho. Até agora, não haveria problema, pois o IVA constante da factura continuaria a ser dedutível pelo período de dois anos. Com a autorização legislativa prevista, o sujeito passivo poderá ver reduzido o prazo para dedução para Janeiro ou Fevereiro”.

As Finanças dizem que ultimamente “tem-se verificado que alguns sujeitos passivos interpretam aquela norma no sentido de que lhes é permitido deduzir o IVA em quaisquer períodos de tributação posteriores à recepção da factura, independentemente da data do registo contabilístico” dessa documentação. “Por exemplo: se uma empresa, no regime trimestral do IVA recebe em Fevereiro uma factura de um seu fornecedor, poderá deduzir o IVA respectivo nas declarações de IVA a entregar em 15 de Maio ou em 15 de Agosto”, explicam as Finanças.

Correcção do imposto

No universo da AEVP, os receios são generalizados. Num sector que exporta mais de três quartos da sua produção, o risco de uma dupla tributação aberto pelas alterações propostas ao Código do IVA “é uma preocupação real das empresas”, diz Isabel Marrana, secretária-geral da associação. Não que o negócio do vinho do Porto tenha particularidades especiais. Mas uma vez que boa parte das exportações se destina para países extra-europeus, “onde as demoras de pagamentos podem ser grandes”, o receio de terem de deduzir duplamente o IVA “é maior”, diz Isabel Marrana.

Em resposta ao PÚBLICO, as Finanças garantem que as empresas não serão prejudicadas e que não haverá impacto nos regimes de reembolso. Em caso de atraso na recepção da factura, diz o ministério, uma empresa pode sempre deduzir o IVA “até ao período de imposto seguinte, desde que dentro do prazo de quatro anos referente à caducidade do direito à dedução”. E nos casos em que, mesmo tendo recebido a factura, não deduziu o IVA, “nas declarações do período ou do período seguinte, podem sempre apresentar uma reclamação graciosa perante a AT, que é gratuita, solicitando a correcção da liquidação do imposto”.

No sector têxtil, não há para já os mesmos receios do que nas empresas de vinho do Porto. “Compreendemos as preocupações, mas, para já, não vemos os mesmos riscos” na redacção da proposta de lei do Orçamento, diz Paulo Vaz, director-geral da ATP, Associação Têxtil e Vestuário de Portugal. Ainda assim, a ATP vai colher a opinião dos seus associados “porque é fundamental perceber qual é a sua experiência” e discutir o tema numa das suas próximas reuniões de direcção.

Num detalhe, exportadores de têxtil ou do vinho do Porto estão de acordo: a redacção do artigo em causa não afasta de forma inequívoca o risco da dupla tributação. E é por isso que Paulo Vaz pede uma “clarificação”, até porque “a administração fiscal tem aumentado a perseguição aos contribuintes” e uma eventual ambiguidade “pode agravar essa postura”. Isabel Marrana subscreve o receio e reclama: “Se não houver a intenção da administração fiscal de reduzir os prazos para a dedução do IVA, então que produza um esclarecimento capaz de afastar todas as dúvidas”.

Fonte: Público

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