O capítulo de Peniche do mundial de surf está fechado. Consigo leva centenas de pessoas que cá estiveram, durante duas semanas, a acompanhar os nomes de topo do desporto.

Mas a história não acaba aqui. Quem segue de perto a indústria acredita que os investidores já se aperceberam do potencial deste desporto que, para a economia portuguesa, já vale 400 milhões de euros. E que pode valer muito mais.

Para quem quer investir, o apelo começa logo no facto de o surf não ser uma moda passageira: quem faz, faz para a vida. “Tem uma componente muito importante de lazer, não é só o fator da competição. Quem começa, é surfista para o resto da vida”, diz ao Dinheiro Vivo Artur Ferreira, vice-presidente da Federação Portuguesa de Surf (FPS), numa tarde em que a equipa nacional de bodyboard – modalidade também representada pela FPS – treinava nas ondas de Peniche.

Isso e a enchente de turistas que move têm convencido governo e marcas a investirem milhões na modalidade. Este ano, o plano do Turismo de Portugal para a comunicação de Portugal enquanto destino de surf – que inclui, por exemplo, a presença em etapas como o Rio Pro 2015 ou o apoio ao Moche Rip Curl Pro em Peniche – conta com um investimento de cerca de 650 mil euros. A Câmara de Cascais supera esse montante: entre campeonato do mundo masculino, mundial feminino e eventos como o Surf à Noite e o Capítulo Perfeito, o investimento da Câmara Municipal ronda os 700 mil euros por ano.

Número de empresas ligadas ao surf aumentou mais de 70% em 2014. Foto: Global Imagens

Número de empresas ligadas ao surf aumentou mais de 70% em 2014. Foto: Global Imagens

Feitas as contas, este é um dos investimentos de maior retorno que as autarquias podem fazer. É que, para lá da costa, há toda a economia à volta do mar, que tem evoluído a passo largo. Se, em 2013, as empresas de animação turística ligadas ao surf aumentaram 26%, no ano passado o aumento já era de 71%. Hoje, só das que estão registadas no Turismo de Portugal, há 150 empresas a desenvolver este tipo de atividade.

“Em Cascais, temos os melhores shapers e as melhores fábricas de pranchas, que já dão cartas além fronteiras. Temos também marcas à volta da roupa. Podemos comparar com o caso da vela, em que há empresas que fazem manutenção das embarcações, por exemplo. É a economia para além da atividade e, no surf, isso vê-se com enorme clareza”, apontou ao Dinheiro Vivo o ainda vice-presidente da Câmara de Cascais, Miguel Pinto Luz, dias antes de ter tomado posse como novo secretário de Estado dos Transportes.

Ainda não há uma quantificação definitiva do impacto que a modalidade tem no concelho, mas há “uma noção clara de que o surf tem criado um enorme crescimento no número de dormidas”. Exemplo disso é o número de surf hostels que têm sido criados – atualmente, há 10 no concelho de Cascais. E há também uma estimativa do volume de negócios gerado pelos eventos que decorrem ao longo do ano: 20 milhões de euros.

Em Peniche, o investimento da autarquia é menor, mas o retorno não é menos significativo. O investimento direto da Câmara de Peniche varia entre os 75 mil e os 90 mil euros. O resto vem de apoios: 500 mil da PT, 250 mil do Turismo de Portugal, 100 mil da EDP, 500 mil do Turismo do Centro. Sem falar, claro, dos mais de 3 milhões de euros que, desde 2009, a Rip Curl já investiu na etapa de Peniche do campeonato mundial. Só durante este evento, impacto sobre a economia ronda os 10 milhões. “O Estado beneficia logo aí. Aquilo que investe, vai buscar em impostos”, salienta Tó Zé Correia, presidente da Câmara de Peniche. Com outra grande vantagem: 35% das pessoas que vão assistir ao campeonato são estrangeiras e equivalem a exportações.

“Isso é o durante. Mais importante é o depois. Peniche inaugurou, recentemente, um hotel de 120 quartos, com um investimento de 10 milhões, que foi “transformado em quartel general do mundial”, mas que não vai ficar vazio durante o resto do ano. “Temos assistido ao esbatimento da sazonalidade. Na época baixa, 90% das ocupações são de estrangeiros”, sublinha o autarca.

A Associação Nacional de Surfistas estima que o surf tenha um impacto de 400 milhões de euros na economia portuguesa, mas vêm aí novidades que podem marcar um ponto de viragem e engordar este montante em vários zeros. “As pessoas já interiorizaram o potencial do surf, seja na componente da indústria, do turismo, ou da saúde”, e os investidores vão ver aqui “um valor seguro”, sublinha Artur Ferreira. Daqui a 10 anos, antecipa, “podemos estar a falar disto de uma maneira completamente diferente”. Mas pode não ser preciso esperar tanto: o surf deverá ser promovido a modalidade olímpica já nos Jogos de Tóquio, em 2020.

“Cada vez mais nos estamos a posicionar para ser a capital do surf na Europa. No próximo ano, vamos continuar nesta senda de investimento e vamos capitalizar a oportunidade que nos é dada de o surf passar ser uma modalidade olímpica. É, sem dúvida, um momento de viragem”, garante Miguel Pinto Luz. Como se faz essa capitalização? “Apostando nos atletas locais. Temos já uma experiência muito produtiva, que é a equipa olímpica de vela, em que 90% dos atletas são de Cascais”, salienta.

A equipa nacional de bodyboard durante uma tarde de treino em Peniche. Foto: Jorge Amaral / Global Imagens

A equipa nacional de bodyboard durante uma tarde de treino em Peniche. Foto: Jorge Amaral / Global Imagens

Depois, há uma tendência de que boa parte dos surfistas nem quer ouvir falar, mas que é música para os ouvidos de quem faz negócio do surf: as ondas artificiais. “É um debate ativo e que pode vir a fazer surgir mais investimento. É muito sério, porque temos de considerar a magia e imprevisibilidade do surf”, reconhece Tó Zé Correia. Mas a verdade é que campeonatos sem interrupções, como as que aconteceram várias vezes em Peniche, seriam uma segurança para as marcas, que estão envolvidas no debate e que poderão vir a influenciar as decisões. Por cá, até já há data para a inauguração da primeira fábrica de ondas perfeitas: 2017, em Vila Nova de Gaia.

Até lá, é preciso que haja mais esforço por parte do governo, pede o autarca de Peniche. “Portugal está afirmado como um grande destino de surf. Agora, para manter essa chama acesa, e porque é importante que haja portugueses na elite, o país tem de apostar seriamente no mar e no alto rendimento de algumas modalidades. Não vale a pena dar palmadinhas nas costas dos atletas, dizer que o mar é um desígnio e a bota não bater com a perdigota”, critica Tó Zé Correia. E deixa a pergunta: “Esta é uma oportunidade de confrontar quem está a constituir governo: quanto dinheiro vai haver para que isto não fique pelos eventos?”.

Fonte: Dinheiro Vivo

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