Mais de 7 milhões de euros investidos, 70 startups e 250 empreendedores em dois anos. O que é que Braga tem? Tem tecnologias médicas, nanotecnologia e mobile a “florescer”. Tem arte e investigação.

Era um antigo quartel da GNR, mas transformou-se numa ode bracarense à arte e à inovação. À criatividade. Fruto das apostas da cidade enquanto Capital Europeia da Juventude, em 2012, o edifício onde a Startup Braga coabita com o GNRation é o reflexo do que por lá se produz. Entre jogos de luz e instalações artísticas, há uma comunidade de criativos disposta a arriscar com tecnologia, investigação e cultura. Com ideias. Uma casa aberta à inovação onde já foram investidos mais de sete milhões de euros em startups que crescem a 400 quilómetros de Lisboa. Como a PeekMed.

João Ribeiro tem 28 anos e há três que é mestre em engenharia biomédica. Estudou na Universidade do Minho, trabalhou numastartup e no início de 2014 lançou a empresa que nasceu da investigação que fez para a tese de mestrado. Hoje, a solução desenvolvida pela PeekMed – software que promete ajudar médicos ortopedistas a planear cirurgias em 3D – chega a 170 utilizadores em países como Espanha, Alemanha, França, EUA ou Índia. De Braga. Foi com recurso a esta tecnologia que o jogador da seleção nacional de futebol, Danny, foi operado a uma rotura do joelho direito, no Hospital da Ordem da Trindade, no Porto.

 Além de a PeekMed estar incubada no antigo quartel da GNR, em Braga também participa no UTEN, programa criado em 2007 entre o Governo e a Universidade do Texas, em Austin. Do outro lado do Atlântico, querem replicar o trabalho que têm estado a fazer com as unidades de saúde portuguesas. Como a que envolveu o internacional português, Danny.

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Os fundadores da PeekMed: Jaime Campos, Sara Silva e João Ribeiro

À PeekMed, na comunidade da Startup Braga, juntam-se mais 69 projetos. Em dois anos, foram criados mais de 200 postos de trabalho nos projetos que passaram pela incubadora, realizados dois roadshowsinternacionais a Londres e São Francisco, nos EUA, e 25 startupsestiveram presentes em programas e eventos internacionais. João Ribeiro conta ao Observador que lançar a empresa em Braga era o que fazia sentido. “Nós aqui com a Universidade do Minho, a nova Escola de Ciências da Saúde e o Hospital de Braga, percebemos que tínhamos um ecossistema muito interessante para lançar a PeekMed. Nunca pensei ir para Lisboa”, afirma.

No antigo quartel da GNR, estão cerca de 15 empresas. As outras pertencem à rede, mas só se deslocam à incubadora para participarem nos eventos, workshops, sessões de treino ou conversar com os mentores. Há projetos com origem no Porto, como a Mindprober ou oHelppier, em Aveiro, como a EZ Conferences, em Castelo Branco, como a Wildsmile, ou em Lisboa, como a Homeit. “O país é tão pequeno e as oportunidades são tantas”, disse ao Observador Carlos Oliveira, que foi secretário de Estado do Empreendedorismo no governo de Pedro Passos Coelho, presidente da InvestBraga e fundador da MobiComp, tecnológica que em 2008 foi vendida à Microsoft. “Há uma oportunidade enorme de desenvolver o ecossistema em cooperação”, acrescentou.

“Penso que em Braga estão a criar um segundo polo de atração
[de empreendedorismo]. Estão a trabalhar para que o ecossistema português se torne bipolar e não monopolar”
André Roque, CEO da Homeit

André Roque, 26 anos, pouco sabia do ecossistema de empreendedorismo português quando lançou a Homeit. Apesar de ter formação em Economia, começou a trabalhar na área da proteção de informação e de cibersegurança, em Londres, assim que terminou a licenciatura. Foi com as poupanças que juntou do salário britânico que comprou uma casa em Portugal. Quis arrendá-la através da Airbnb, mas tinha um problema: como entregar a chave aos hóspedes quando os amigos não podiam fazê-lo por si? Foi assim que desenvolveu um sistema de abertura remota de portas por wi-fi. Quando achou que tinha o que precisava, despediu-se e voltou para Lisboa. Onde está a acelerar o negócio? Em Braga.

“Queríamos entrar num programa de aceleração logo em janeiro e o de Braga começava nessa altura. Percebemos que tinham uma equipa muito focada e com muitos recursos canalizados para ajudar asstartups. Vi o esforço que estavam a fazer e a qualidade do programa”, conta André ao Observador. Durante quatro meses, apanhava o comboio para Braga uma vez por semana e, entre estadia, viagens e alimentação, gastava cerca de 80 euros. “Não conheço muito bem o ecossistema porque aterrei em Lisboa vindo de Londres há pouco tempo. Mas acho que está muito focado em Lisboa e se calhar é porque há razões para isso. Mas penso que em Braga estão a criar um segundo polo de atração [de empreendedorismo]. Estão a trabalhar para que o ecossistema português se torne bipolar e não monopolar”, diz.

A equipa da Homeit foi fundada por Pedro Viana, André Roque e Pedro Mendes, as já conta com mais três colaboradores

A equipa da Homeit foi fundada por Pedro Viana, André Roque e Pedro Mendes, as já conta com mais três colaboradores

“O empreendedorismo não vai resolver tudo”

“O país é tão pequeno que não faz sentido estar em concorrência. Utilizando uma metáfora futebolística, acho que não temos de ir todos à bola no mesmo sítio do campo”, disse ao Observador Carlos Oliveira, no âmbito do segundo aniversário da Startup Braga – a incubadora de empresas que nasceu sob a alçada da InvestBraga, a agência que tem por objetivo dinamizar economicamente o concelho. “Olhámos para o que tínhamos na região e pensámos: o que é que temos aqui para oferecer, não só aos de cá, mas ao país?”, conta. Foi por isso que percebeu que as aplicações móveis não deviam ser o foco, porque Portugal não é o sítio certo para testes.

“Não temos mercado para a economia das apps, porque não temos massa crítica. É difícil pensarmos numa aplicação portuguesa que tenha grande sucesso a nível internacional. E mesmo uma europeia”, diz. Apesar de o mobile ser uma das apostas da Startup Braga, são as tecnologias médicas que fazem bandeira do que se produz no antigo quartel da GNR. A culpa, diz Carlos Oliveira, é do ecossistema que é “único” no país – que tem a Universidade do Minho, a Escola de Ciências da Saúde, “muito orientada para as engenharias biomédicas”, um hospital “novo, de grande dimensão e uma administração muito orientada à inovação” e o centro clínico, que realiza “25% dos ensaios clínicos feitos em Portugal”.

Carlos Oliveira, presidente da InvestBraga, no segundo aniversário da incubadora

Carlos Oliveira, presidente da InvestBraga, no segundo aniversário da incubadora

screenshot_41Depois da tecnologias médicas, a aposta do ecossistema bracarense é nas nanotecnologias, usufruindo do impacto que o Laboratório Internacional de Nanotecnologia tem na cidade. “Olhámos para esta oportunidade e vimos que a Europa não está a fazer quase nada em termos de incubação e aceleração de nanotecnologias. Por isso, juntámo-nos ao laboratório e estamos a lançar um programa inicial de apoio a startups que queiram tirar partido das nanotecnologias, o Startup Nano”, adiantou Carlos Oliveira, acrescentando que a estratégia da incubadora é diferenciar-se com aquilo que são as vantagens competitivas da região.

Sobre os desafios que ainda há para ultrapassar, o líder da InvestBraga destaca o financiamento, que reconhece que não é apenas um problema da região, mas do país. Em causa está o facto de o ecossistema de investidores em capital de risco e particulares, como os business angels, ainda está muito no início. “Fazem falta verdadeiros business angels, que se comportem como verdadeirosbusiness angels na aceção internacional do termo. E que não exigem aos investidores o mesmo que exige um fundo de capital de risco”, afirmou.

“Até agora, isto é tudo muito giro, muito importante e muito promissor, mas é preciso que o impacto na economia aconteça”
Carlos Oliveira, presidente da InvestBraga

Como resolver o problema do financiamento? Com mais investidores particulares dispostos a apoiar projetos e mais investidores de capital de risco com parcerias internacionais. Só quando as startups se tornaremscaleups (empresas com média de crescimento anual em colaboradores ou volume de negócio superior a 20%, num período de três anos) – outro dos desafios da região – é que o ecossistema começa a ter impacto no país, na criação de emprego, nas exportações. “Até agora, isto é tudo muito giro, muito importante e muito promissor, mas é preciso que o impacto na economia aconteça”, explicou.

Na mira de Carlos Oliveira, há outro alvo que não pode ser esquecido: o empreendedorismo de base local, de autoemprego, “que é muito importante para resolver questões sociais importantes”. Assumindo que não vão ter a escala que têm os projetos assentes em conhecimento e inovação, o líder da InvestBraga defende que representam uma oportunidade que não se está a saber explorar. “Sou muito avesso à ideia de que o empreendedorismo vai resolver tudo. Não vai. Mas é uma das muitas soluções para muitos dos problemas do país. E há aqui uma coisa que é importante: a revolução de mentalidades que está a acontecer”, diz.

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A Startup Braga mora na mesma casa que o projeto GNRation

Universidade traz “frescura cultural, intelectual e tecnológica”

João M. Fernandes é professor catedrático do Departamento de Informática da Escola de Engenharia que pertence à Universidade do Minho. Enquanto conversa com o Observador numa das salas da Startup Braga, vai cumprimentando vários ex-alunos. “Vê? Muitos destes jovens foram meus alunos”, conta. Responsável pela disciplina Projeto de Engenharia Informática, conta que há seis anos que colocam os estudantes em equipas de nove alunos e que os obrigam a desenvolver um produto de software que seja rentável. “Pomo-los em equipas a desenvolver produtos já com alguma maturidade, complexos. E queremos que trabalhem a componente de negócio”, explica.

Porque defende que “não basta fazer bem” e que é preciso “estudar o modelo de negócio associado ao produto”, a Universidade apostou em trazer a Startup Braga às aulas da unidade curricular. Objetivo: ajudar os alunos a fazer o pitch da ideia. “É uma boa iniciativa, mas acho que as coisas têm de ser vistas com um horizonte temporal relativamente grande. Não se pode querer logo resultados, isto são coisas que se vão construindo e acho que a Startup Braga tem mostrado alguma abertura para com o contexto da Universidade e outros parceiros”, disse, referindo que vê a integração dos projetos na incubadora como o “espaço natural para os passos seguintes” dos projetos com potencial.

“Eles [na Sartup Braga] estão interessados em acompanhar os projetos e nós [na Universidade do Minho] estamos interessados em que os alunos percebam que se tiverem sucesso na disciplina, aquilo não morre ali, que há mecanismos na proximidade que vão facilitar o projeto”, conta. Relembrando a história da instituição, que conta com cerca de 40 anos, e uma das primeiras a ter uma licenciatura em informática, João M. Fernandes refere que é ela que tem “esse papel de catalisar, de trazer frescura cultural, intelectual e tecnológica” ao ecossistema.

Professor João M. Fernandes, do Departamento de Informática, da Universidade do Minho

Professor João M. Fernandes, do Departamento de Informática, da Universidade do Minho

“A universidade não é uma startup e é, por isso, mais lenta. Vai-se adaptando. Embora eu ache que a universidade tem grande capacidade de se moldar, ou seja, é uma organização pesada, um pouco antiquada, mas que tem grande capacidade de se ir adaptando”, adianta, ressalvando a mudança a que tem assistido recentemente na docência. “Há dez anos era quase uma heresia um professor ter uma empresa. Ficava logo marcado como alguém que não estava a trabalhar para o objetivo principal da universidade. Agora é bom ter uma empresa, isso já é valorizado. Os próprios regulamentos de avaliação dos docentes valorizam essa questão”, afirmou.

Para o professor, o caminho da região minhota não passa pela diferenciação do ecossistema, mas pelos casos de sucesso. E por “sucesso” leia-se “uma nova Google”, mas em áreas em que a região tenha já mostrado ter competências. “Áreas em que a universidade tenha já mostrado que pode dar recursos. Porque o talento é importante e se não tivermos esses recursos aqui vamos ter de ir buscá-los a outro sítio”, afirma, destacando as ciências da saúde e a programação. “A área do software é muito idêntica à da música, à da criação. Quase não precisamos de ter recursos nenhuns. Só precisamos de ter cérebro.”

O fundador da Magikbee, Hugo Ribeiro, com António Costa

O fundador da Magikbee, Hugo Ribeiro, com António Costa

De 2 a 6 de maio, decorreu a Semana da Economia de Braga – promovida pela Câmara Municipal de Braga -, com António Costa a marcar presença no último dia, durante o Fórum Económico, onde também esteve presente o ministro da Economia Caldeira Cabral, o secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, e o presidente da AICEP, Miguel Frasquilho. Foi durante esta semana que a InvestBraga e a Startup Braga comemoraram o segundo aniversário. Na mesma semana que decorreu a Semana do Empreendedorismo, em Lisboa.

9 projetos incubados na Startup Braga

Fonte: Observador

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