Apesar do caminho percorrido ainda há muita subjetividade nos relatórios das empresas. Auditoras podem ter papel de relevo na transparência das contas.

Mesmo com as regras financeiras mais apertadas e legislação criada para promover a transparência dos relatórios e contas das empresas, os investidores, acionistas, gestores ou obrigacionistas ainda não podem confiar nos relatórios para decidirem investir em determinada empresa. A crítica é feita pela “Harvard Business Review” e, para os analistas contactados pelo Dinheiro Vivo, é um tema que, apesar dos esforços para melhorar a transparência, ainda tem muito caminho a percorrer.

As estimativas deficientes sobre resultados, a visão subjetiva, as métricas oficiais que nem sempre captam o verdadeiro valor das empresas, a falta de informação sobre os riscos futuros e a dificuldade em criar práticas universais contabilísticas – apesar dos esforços feitos nesse sentido – são as principais dificuldades. Para Rui Bárbara, economista e gestor de ativos do Banco Carregosa, os relatórios apresentam três dificuldades: “as limitações próprias da contabilidade, que não é perfeita, a necessidade de saber interpretar os dados que são fornecidos e os incentivos que existem para os gestores se focarem em resultados de curto prazo”. Para o economista, este último problema acontece sobretudo em empresas que têm uma estrutura acionista muito repartida e sobretudo com fundos de investimento, uma situação que se coloca sobretudo em grandes empresas e não tanto em Portugal.

Questionado sobre os relatórios das empresas portuguesas, Rui Bárbara admite que “temos vindo a melhorar muito mas ainda estamos longe de ser perfeito”. Filipe Garcia, economista da IMF, frisa que estes temas são uma preocupação global e frisa que, muitas vezes, os relatórios estão focados no impacto fiscal que determinados resultados têm para as empresas, faltando contudo considerações sobre os riscos futuros, “que condicionam a performance das empresas”.

Também Eduardo Silva, da XTB, refere que esta “não é uma realidade nova nem existe a perceção de que o fenómeno se tenha vindo a deteriorar”. Apesar dos esforços feitos para criar princípios universais que permitam uma melhor comparação entre empresas “a especificidade de cada setor e os princípios e pressões vão sempre limitar o espetro de normalização das práticas contabilísticas”.

Para a equipa de ‘research’ do BiG informação de difícil compreensão penaliza a empresa. Isto porque “será analisada por um menor número de analistas, reduzindo a sua visibilidade, e também será preterida pelos investidores, que optarão por empresas cujos relatórios inspirem maior confiança”. Já Albino Oliveira, da Patris, aponta que se têm vindo a empreender tentativas para reduzir as diferenças que existem entre as normas contabilísticas e que “os métodos e análises estão mais atentos a mecanismos que possam ser utilizados pelas empresas para afastar os números apresentados da realidade”.

Questionado sobre o que considera serem as falhas dos relatórios das empresas portuguesas Albino Oliveira frisa que existe “pouca visibilidade relativamente às perspetivas para a evolução futura da sua atividade” e que nem sempre “é fornecido o detalhe necessário por áreas de negócio”. Eduardo Silva considera o impacto que a gestão dos resultados tem em dimensões como o financiamento ou a cotação dos títulos leva a que “se aplique alguma subjetividade contabilística tendo em conta valores éticos, morais e flexibilidade normativa”. E avisa: “a linha ténue entre alguma criatividade e a fraude tem de ser controlada principalmente nas grandes empresas pela supervisão”.

Do ponto de vista do investidor, a expectativa é que os relatórios preencham os requisitos de qualidade e informação previstos pela CMVM, diz Octávio Viana, presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM), elogiando a atuação do regulador de mercado. “A CMVM tem sido exemplar mas, por vezes, nem a CMVM nem os auditores externos conseguem descobrir e evitar a falsificação de informação prestada ao mercado”. Para Octávio Viana, excluindo as fraudes, difíceis de identificar, “não vejo grandes falhas nos relatórios das empresas”.

Ainda assim, diz o responsável, há espaço para melhorar. O presidentes ATM sugere “a transposição da lei SOX” (ver caixa) ou a criação de um mecanismo semelhante para o ordenamento jurídico português”, já que, defende, “inibia comportamentos fraudulentos já que o problema de fundo não está nos modelos ou na subjetividade da decisão dos gestores”.

Para os analistas, relatórios mais transparentes e que melhor reflitam a realidade das empresas podem ser conseguidos reforçando o papel do auditor externo e do reforço do papel dos investidores e clientes. “Mais do que falarmos de imposição legal, e é preciso ter em conta que o relatório do auditor faz parte do relatório e contas das empresas, será importante mencionar a importância da solicitação crescente de informação por parte de acionistas, clientes, fornecedores, obrigacionistas e outros credores para que a informação divulgada pelas empresas continue a melhorar em termos de quantidade e qualidade no futuro”, avisa Albino Oliveira.

O sentido crítico dos vários stakeholders é visto pela equipa de research do BiG como “a principal ferramenta para ultrapassar estes problemas”. Até porque, tendo em conta as diferentes características dos negócios e setores, “a criação de um standard contabilístico que permita a análise completa e totalmente comparável entre empresas revela-se um exercício hercúleo quiçá impossível”.

Para Eduardo Silva o desafio passa pelo “comportamento ético, já que a competitividade agressiva nos mercados atuais gera uma forte pressão empresarial, pessoal e dos acionistas sobre os CFO e, por vezes, dos próprios CEO”. Para o gestor de ativos, o comportamento ético deve ser premiado, admitindo a necessidade de mais regulação. “Existe um sentimento de alguma complacência dos reguladores , fator que terá de ser rapidamente revisto para criar uma maior transparência”, avisa.

Fonte: Dinheiro Vivo

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