Um manifesto para cortar na despesa pública é apresentado esta quarta-feira na Ordem dos Economistas. 
O documento, intitulado “Despesa pública menor para um futuro melhor”, é lançado por um grupo de cidadãos que sente representar o sentimento de muitos portugueses insatisfeitos com o rumo de Portugal” e subscrito por mais de 70 personalidades portuguesas de diferentes setores. Entre elas estão Miguel Cadilhe, Miguel Beleza, Francisco van Zeller, Henrique Neto, Manuel Avelino de Jesus, Alexandre Patrício Gouveia, António Pinho Cardão, Clemente Pedro Nunes, Fernando Teixeira Mendes, Gustavo Mesquita Guimarães, João de Jesus Ferreira, José António Girão, José Ribeiro e Castro, Miguel Sarmento, Paulo Carmona e Pedro de Sampaio Nunes.
O manifesto, que se transcreve em baixo, é apresentado às 10h30, na sede da Ordem dos Economistas, em Lisboa. 

1. Os Programas (do PSD e do CDS) e a prática (do Governo)
A diminuição drástica do nível incomportável da despesa pública atingido em 2010 era um dos principais objectivos dos programas eleitorais do PSD e do CDS. Contudo, passados estes vinte meses de governação, o que os cidadãos efectivamente sentem é um aumento brutal da carga fiscal: cada vez pagam mais, sem verem, de forma palpável, a contrapartida de o Estado gastar menos. Torna-se, por isso, imperioso um trabalho sério de reforma do Estado com redução significativa do seu peso estrutural nas finanças públicas, sem o que o garrote fiscal sobre os indivíduos, as famílias, as empresas, não cessará de apertar-se.

Importa também que o Governo deixe de actuar como sendo forte com os fracos e fraco com os fortes e que os cidadãos se apercebam dessa mudança, a vejam e sintam.

2. A despesa pública
O Governo conseguiu, em 2011 e em 2012, uma importante redução de cerca de 13 mil milhões de euros na despesa pública – uma quebra de mais de cinco pontos percentuais do seu peso no PIB. Todavia, este facto não resultou da reforma do Estado, mas de um somatório de intervenções cujo efeito logo se esgotou, ou, então, deveu-se a medidas transitórias que, terminado o seu efeito, reproduzirão nos anos seguintes os montantes anteriores. A redução da despesa só produzirá efeitos duradouros, se resultar de reformas estruturais e de melhorias de gestão do Estado e das Administrações Públicas.

O Governo ainda não abanou sequer o Estado paralelo; se iniciou algumas reformas, deixou a meio algumas das mais importantes; e, quanto aos custos intermédios da Administração Pública, não há evidência do seu necessário decréscimo, apesar dos esforços. É por isso mesmo que se entende perfeitamente que o Governo, embora algo tardiamente, considere agora como prioritária a redução da despesa pública.

3. As rendas ilegais e excessivas na energia
O sector eléctrico nacional acumulou um défice tarifário de quase quatro mil milhões de euros, devido essencialmente ao pagamento de ajudas de Estado a empresas detentoras do monopólio de produção – uma situação ilegal face à lei de concorrência comunitária. O sobrelucro dos produtores beneficiados com rendas excessivas constitui um atentado à competitividade da economia, para além de lhes proporcionar um enriquecimento desproporcionado face ao risco incorrido. Ora, não pode haver excepcionados no esforço geral de moralização e racionalidade económica na gestão da coisa pública.

4. Para uma política de diminuição da despesa perceptível pelos cidadãos

4.1 – PPP, SCUT e Auto-Estradas: As rendas excessivas estão também patentes nos contratos das SCUT e de outras grandes obras na rede viária em regime de PPP. Torna-se necessário concretizar uma decidida acção no sentido de rever os contratos, corrigindo rentabilidades excessivas, porque imunes a risco, de que diversos operadores usufruem.

4.2 – Educação e Saúde: Havendo iniciativa particular disponível, de génese empresarial ou social, não há razão para a discriminar e excluir das redes de prestação de serviço público.Pelo contrário, como o exemplo do modelo escandinavo bem evidencia. A Rede Pública de Educação e o SNS deverão encaminhar-se para modelos compreensivos – e não exclusivos – integrando, com paridade de condições e sob comum fiscalização e regulação pelo Estado, actores públicos e privados, visando o mesmo fim: a garantia pública e universal do acesso nas melhores condições aos bens fundamentais da educação e da saúde.

4.3 – Estruturas sobrepostas que produzem o Estado paralelo:Existem cerca de 13.000 entidades que vivem, total ou parcialmente, do Orçamento do Estado. A análise cuidada destes variados organismos, permitirá identificar os que podem ser reduzidos, fundidos ou extintos. Seria recomendável uma reforma caracterizada pela verticalização da Administração Pública: começar pelo emagrecimento drástico dos gabinetes governamentais, pondo termo a essa “película dirigente”, e prosseguir com o regresso à Administração directa do Estado de funções dispersas por uma infindável variedade de organismos da Administração indirecta.

4.4 – Fundações: Foi o Governo que colocou alta a fasquia quanto à extinção de fundações e consequentes poupanças. É fundamental que o Governo não descanse nesta frente de acção, continuando de modo persistente: a separar criteriosamente o trigo do joio; a proteger o conceito genuíno de fundação; e a eliminar todos os abusos e clientelas instaladas, em que se abusa da figura de Fundação.

4.5 – Observatórios: Os Observatórios constituem um dos mais notáveis frutos da forte dinâmica reprodutiva dos burocratas. Não se conhece nem quantos são e o que efectivamente fazem, nem que algum tenha perdido o financiamento estatal. Há que agir.

4.6 – Sector Empresarial do Estado, privatizações, concessões, subsídios, indemnizações compensatórias: É urgente a reversão da situação de o Sector Empresarial do Estado ser fonte crónica de prejuízos, privatizando as empresas privatizáveis, concessionando o serviço nos casos em que não se torne viável a privatização, reorganizando e reestruturando nos restantes casos. Impõe-se também a eliminação de subsídios estatais, bonificações e indemnizações compensatórias que não apresentem uma clara justificação social.

4.7 – Prestações sociais: As prestações sociais representam, hoje, 48% do total das despesas públicas, não sendo possível reduzir e limitar a despesa pública sem reduzir também o peso das prestações sociais. Trata-se de uma área de grande sensibilidade social, quer por envolver situações da maior carência, quer por conter os direitos dos que descontaram anos a fio na expectativa das pensões de velhice.

O Governo não começou bem, ao atingir de forma desproporcionada alguns dos mais velhos, devendo o esforço nacional de equilíbrio das contas públicas ter a sua sede privilegiada na aplicação uniforme do IRS tanto a activos como a reformados, sem discriminação.

Além do mais, e entre todas as opções de reforma do regime de pensões, o Governo deve privilegiar as que apontam para a elevação da idade de aposentação, em lugar das que cortam no valor das pensões para que se descontou. Outras medidas poderão corresponder à incidência dum factor de sustentabilidade assente nos indicadores demográficos e na esperança média de vida, e à introdução de coeficiente de variação no montante das pensões de reforma, em função da variação do PIB. Já uma reformulação mais global do sistema de reformas, exige estudo sério e debate profundo.

4.8 – Despesas em Investigação Tecnológica: Os milhões que o Estado gasta nos seus Centros e Laboratórios não têm muitas vezes qualquer efeito positivo na competitividade do sector produtivo nacional. Sem prejuízo do conceito de investigação científica fundamental cujo perímetro deve ser estrategicamente avaliado, o que se exige é uma investigação tecnológica virada para as empresas, para a inovação, para novos produtos susceptíveis de serem produzidos e comercializados.

4.9 – Transferências Correntes: 
Administrações Locais e Regionais: As Transferências Correntes para as Administrações Regionais e Locais podem ser objecto de redução, sem prejuízo dos importantes serviços prestados às populações. É também indispensável que o Estado anuncie que não dará o seu aval às dívidas das empresas municipais e, até possivelmente, às Autarquias Locais.

5. O cidadão quer ver realizações, não estatísticas
A consolidação orçamental está longe de estar concluída: o défice estrutural terá ainda de se reduzir para 0,5% do PIB depois de 2016. Para se atingir uma situação sustentável, a médio e longo prazo, devemos reduzir a despesa estrutural primária para 33% do PIB em quatro anos e definir um tecto de referência estável em que, por regra, o total da despesa pública não ultrapasse os 40% do PIB. Acima desses valores, a dívida continuará, com toda a probabilidade, a aumentar em vez de a reduzirmos.
Neste momento, a maneira de mostrar obra é dizer onde se cortou na despesa. Muitos desses cortes produzirão dor; mas também aliviarão a dor, cada vez mais insuportável, que os cidadãos e as empresas estão a sentir e sofrer. O Governo tem que escolher.

O imperativo é reduzir a carga fiscal e tornar atractivo o investimento. Está aí a sorte dos Governos, o que é o menos, mas sobretudo a dos portugueses, o que é o mais.

Fonte: Dinheiro Vivo

Comentários

comentários