Em 2012, os autocarros de Lisboa tiveram um EBITDA (os lucros antes de juros e dívida) positivo de 14,9 milhões de euros, apesar do Estado ter cortado a indemnização compensatória. Ao mesmo tempo, e apesar da quebra no número de utilizadores, as receitas aumentaram 24,9% e 39,1% nos elétricos. Com menos gastos e menos autocarros a circular (oferta caiu 10%), a empresa conseguiu equilibrar as suas receitas operacionais. Mesmo assim, deu prejuízo. Porquê? 

A explicação é simples: apesar da reestruturação feita nos últimos anos, não há nenhuma empresa que transportes que dê lucro depois de pagar os juros e a dívida acumulada. No caso da Carris, o resultado financeiro até se agravou:   menos 62,2 milhões em 2012 contra menos 44,8 milhões de euros em 2011. E tudo à conta do aumento dos spreads e do cada vez maior peso da dívida a curto prazo, mais cara e mais difícil de gerir.
Hoje, apesar de o Estado e a banca nacional se financiarem a valores mais baixos (a última por via do BCE), as empresas públicas de transportes chegam a pagar mais de 7% de juros para empréstimos mensais, apesar do esforço para reduzir os seus gastos operacionais.

Há um ano, o presidente da Carris, Silva Rodrigues, assumia a gestão que era feita “mês a mês”, “substituindo empréstimos de longo prazo por dívida a curto prazo”. E acrescentava: “Se antes pagávamos 0,7% de spread por crédito a longo prazo, hoje pagamos 7% por empréstimos a 30, 60 dias”. Já no início de 2013, a situação da Carris – a menos endividada e com os melhores resultados operacionais das empresas públicas – não mudou. Os empréstimos continuam a ser cobrados quase ao mesmo valor – “a média de spread para operações de curto prazo é 7%”, garantia a Carris em Janeiro.

Num ano, o peso da dívida de curto prazo também disparou: em 2011 era 32,2 % do total de empréstimos. No final de 2012 era 67,4%, segundo os dados recolhidos pelo Dinheiro Vivo. Na CP o problema é igual. “Quando estamos com juros da ordem de 200 milhões de euros por ano, cria-se uma bola de neve cada vez mais difícil de resolver”, garantiu o ex-presidente José Benoliel, em entrevista ao Dinheiro Vivo/TSF (veja aqui).

Desde o início que o plano de resgate a Portugal não inclui qualquer verba para os transportes, já que a troika – por pressão, sobretudo, do FMI – queria sanear primeiro e reestruturar as várias empresas antes de as concessionar. Um ano depois, o objetivo mantém-se: até ao final do ano o governo quer concessionar a Carris/Metro e STCP/Metro do Porto, depois de ter unificado a gestão das duas empresas. Os modelos finais estão ser estudados e podem passar, como no caso da CP, por separar as “unidades” distritais, Lisboa e Porto, para tentar reduzir o volume da dívida.

O último problema é o mais preocupante. “Nenhum candidato vai comprar uma empresa com este montante de dívida”, acrescenta José Benoliel. Ao mesmo tempo, a dívida de algumas das empresas de transportes – CP, Carris, STCP – ainda não foi consolidada na dívida do Estado e, por isso, não foi incluída no volume total de dívida pública. Com o Estado empenhado em reduzir o rácio da dívida relativamente ao PIB – que em 2013 atingirá 124,3% de todo o produto interno bruto -, qualquer operação que não desloque parte deste encargo para os futuros operadores privados teria um efeito claro no volume da dívida.  Nas duas privatizações que o governo lançou em 2012 – ANA e TAP – o futuro comprador assumia os encargos futuros com os empréstimos, deduzindo o passivo à oferta.

No caso da ANA, o modelo é mais complexo: dos 3,08 mil milhões que a Vinci pagou ao Estado pela concessão a 50 anos, um terço poderá ser usado – se o Eurostat aprovar – para atenuar o défice orçamental de 2012. Estes 1,2 mil milhões de euros vão ao défice e não à dívida, como mandam as regras das privatizações – porque são consideradas receitas de exploração passadas, e que a ANA já deveria ter entregue ao Estado. Em março saberemos se o Eurostat concorda com esta avaliação. Se não concordar, esta receita será usada para compensar a dívida pública.

Fonte: Dinheiro Vivo

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