“O petróleo é a fonte mais versátil que encontrámos até hoje. Não vai ser fácil desalojá-lo”, analisa António Costa Silva. Mas a descarbonização é “incontornável”, diz Jorge Vasconcelos. Saiba o que pensam alguns dos principais especialistas nacionais sobre o futuro energético de Portugal.

Portugal tem uma dependência energética do exterior próxima dos 80%. Entre fontes endógenas e combustíveis fósseis importados, o balanço nacional é historicamente deficitário, mas desde 2005 que a aposta nas energias renováveis tem ajudado a desagravar esse registo. O debate em torno deste tema fluiu, em diversos momentos, para posições polarizadas. Mas António Costa Silva, presidente da petrolífera Partex, poderá ser visto como a prova de que um caminho não exclui o outro.

“Na indústria petrolífera existem dois tipos de pessoas: as que pensam dentro do barril e as que pensam fora do barril. Eu gosto de pensar fora do barril”, comentou António Costa Silva esta sexta-feira, arrancando gargalhadas à plateia que assistia à conferência de lançamento do Simulador 2050, uma ferramenta que a EDP passou a disponibilizar “online” para permitir ao público em geral entender as implicações do sector energético nas metas ambientais de longo prazo.

António Costa Silva, sendo um gestor ligado ao petróleo, não deixa de manifestar, há anos, a sua simpatia para com as energias renováveis. Mas o presidente da Partex reconhece que a disputa do mercado energético global entre combustíveis fósseis e fontes renováveis será intensa. “O petróleo é a fonte mais versátil que encontrámos até hoje. Não vai ser fácil desalojá-lo”, comenta o gestor. “As mudanças tenderão a ser lentas”, acrescenta.

Apesar de os interesses da Partex estarem concentrados essencialmente no petróleo, António Costa Silva não tem hesitações ao afirmar que “a electrificação do sistema de transportes mundial vai ser uma das grandes revoluções do século”. António não está só. Outro António, mas com Mexia no apelido, tem repetidamente sublinhado a sua convicção de que a economia será cada vez mais eléctrica. “A energia eléctrica está do lado da solução e não do problema”, apontou o presidente da EDP, notando que “o debate sobre a energia em Portugal tem sido distorcido”.

Para António Mexia, “é preciso que as pessoas saibam quais são as escolhas e os custos de oportunidade”. Foi nesse sentido que a EDP lançou o Simulador 2050, onde o utilizador poderá fazer as suas projecções sobre a evolução do consumo no longo prazo, a incorporação de diferentes opções energéticas renováveis e uma maior ou menor adesão à mobilidade eléctrica, por exemplo. “A ferramenta é pensada para ser intuitiva, aberta ao público, mas não deixa de ter alguma complexidade”, explicou Pedro Neves Ferreira, director de planeamento energético da EDP.

E como não há duas sem três, um terceiro António juntou ao debate a visão da indústria. António Saraiva, presidente da CIP, considera que “são inevitáveis acções firmes na área dos transportes e da construção”, para promover a eficiência energética em Portugal. Admitindo que “a aposta nas renováveis é boa”, o líder da confederação patronal não deixa de manifestar o desconforto com os sobrecustos de algumas destas fontes. “Deseja-se que a energia eólica entre rapidamente no regime de preços de mercado”, refere António Saraiva. E o nuclear? Sem tabus. “Não se deve descartar a opção nuclear no bloco ibérico”, sugere.

Para diversos especialistas, Portugal não tem um consumo eléctrico que justifique a escala de um investimento numa central nuclear. Sobretudo num momento como o actual, em que a economia está em retracção e a aposta feita na última década em nova capacidade renovável criou um parque electroprodutor mais que suficiente para responder à procura projectada até 2020.

“Isto tem a ver com políticas públicas”

Sem restringir o debate à produção de electricidade, que representa sensivelmente um quarto de toda a energia consumida em Portugal (o restante vem, sobretudo, do mercado de produtos petrolíferos), Jorge Vasconcelos, o antigo presidente da ERSE, chama a atenção: “quando falamos de descarbonização da economia isto não significa só electricidade, tem a ver com políticas públicas”.

Agora consultor na área da energia, através da empresa New Energy Solutions, Jorge Vasconcelos acredita que “descarbonizar os transportes é incontornável”, quer pela adopção de motores mais eficientes no consumo dos combustíveis, quer pela electrificação do parque automóvel.

Mas Jorge Vasconcelos vai mais longe. Reconhecendo o trabalho feito por Portugal no domínio das energias renováveis, algumas multinacionais, como as de “data centers”, poderão ver no nosso país uma localização interessante para se instalarem, adquirindo “electricidade verde” e pondo essa etiqueta nos seus relatórios de sustentabilidade. “Temos boas condições em Portugal para atrair a grande indústria”, declara o antigo regulador da energia.

Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), observa ainda a importância do desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês). “No horizonte de 2050, creio que para certos sectores da indústria será central a integração da lógica de CCS”, comenta Lacasta.

O planeamento energético de longo prazo está na base da tomada de decisões de investimento nas tecnologias de amanhã. No entanto, pensar num horizonte de décadas apresenta desafios. Mesmo os planos traçados pelo Governo português até 2020 têm uma dose considerável de incerteza, conforme assume o secretário de Estado da Energia.

“Hoje em dia não é fácil desenhar políticas energéticas e de sustentabilidade ambiental. As opções são muitas e as variáveis políticas e económicas também são muitas e mudam constantemente”, analisa Artur Trindade. E como “todas as opções energéticas são intensivas em capital”, acrescenta o secretário de Estado, cabe ao Governo criar um enquadramento regulatório “estável e atractivo”, para que as empresas possam tomar as suas decisões de investimento.

Uma factura energética de 7 mil milhões de euros

O debate sobre a transição para uma economia de baixo carbono (a meta da União Europeia é que até 2050 os países reduzam as emissões de CO2 em 80% face aos níveis de 1990) está longe de produzir consensos. Ainda assim, António Mexia destaca que “a descarbonização da economia tem de ser vista como uma oportunidade”, quer pela geração de emprego, quer pelo estímulo à investigação nas universidades.

Os dados da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) mostram que a dependência energética portuguesa tem vindo a diminuir. Em 2005 rondava os 89%. Em 2011 estava nos 77%. Neste ano o petróleo valia 53,8% da energia final consumida em Portugal, a electricidade 26,9%, o gás natural 9,5% e a biomassa 8,5%.

Apesar da aposta feita nas fontes renováveis, com maior expressão no sector eléctrico, Portugal não evitou um agravamento da sua factura energética global, que em 2011 se traduziu num saldo importador de 7,1 mil milhões de euros, mais 27,7% do que em 2010. Tratou-se do segundo maior valor em seis anos, apenas abaixo da factura de 2008, ano marcado pela escalada histórica da cotação do petróleo.

Embora o recurso a energias amigas do ambiente permita a Portugal, e aos outros países, cumprir as metas assumidas em prol do combate ao aquecimento global, os caminhos para lá chegar não estão livres de obstáculos.

No domínio da produção de electricidade, a geração térmica (a carvão ou a gás natural) apresenta-se ainda com custos mais competitivos do que os das tarifas garantidas às diversas fontes renováveis. Do seu lado, as “energias verdes” têm um progresso tecnológico que em alguns casos já trouxe a paridade de rede, isto é, a capacidade de concorrer na venda da energia em mercado, sem necessidade de subsídios. No entanto, a intermitência de recursos como o vento e o sol torna necessária a continuidade de soluções fiáveis, entre as quais as centrais termoeléctricas.

Por outro lado, no consumo de combustíveis rodoviários as metas europeias para 2020 prevêem a incorporação de 10% de fontes limpas, mas a inclusão de biocombustíveis tem como contrapartida o encarecimento do custo do produto para os consumidores.

O debate dificilmente convencerá toda a sociedade quanto aos caminhos a seguir. Mas para António Mexia é “inquestionável” a necessidade de pôr a informação na praça pública. “A EDP gosta desta discussão transparente, clara”, assegura o gestor.

Fonte: Negócios

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