Carlos Costa demorou 3 semanas a responder a inquietação de Maria Luís sobre os riscos do BES quebrar. Governador admite problemas no pagamento do papel comercial mas confia nos planos do BES – e mostra que o plano está a ser executado. Três semanas depois, o BES quebrou.

Documento: carta
Data: 7 de julho de 2014
De: Carlos Costa, governador do Banco de Portugal
Para: Maria Luís Albuquerque, ministra da Estado e das Finanças

Maria Luís Albuquerque estava alarmada quando em junho pediu informações ao Banco de Portugal sobre os riscos sistémicos de uma eventual quebra do BES e sobre os planos do supervisor para essa contingência mas Carlos Costa deixou-a três semanas à espera: só a 7 de julho, três semanas antes do colapso do BES, é que o governador envia uma carta à ministra das Finanças. Mostrando que as contingências estavam sob controlo. Era a fase das “almofadas de capital” serem suficientes.

O tom das cartas entre Maria Luís Albuquerque e Carlos Costa é meramente institucional, não se entrevendo qualquer proximidade pessoal. Carlos Costa presta informação “naturalmente dentro dos limites que o dever de segredo em matéria de supervisão me obriga”. Depois, limita-se a “transmitir um breve resumo das ações de supervisão que têm vindo a ser desenvolvidas”, tendo “por base a informação já divulgada publicamente pelo próprio BES”. E adita à carta as “perguntas frequentes” publicadas no site do BdP na internet.

O que está em execução são medidas destinadas a “garantir uma redução efetiva da exposição direta e indireta ao ramos não financeiro do GES, o aumento dos fundos próprios de modo a assegurar um buffer

[almofada] de capital face aos rácios mínimos em vigor, bem como o reforço das disposições, processos, mecanismos no âmbito do governo de sociedade e controlo interno.” O supervisor transmitia uma imagem de estar a controlar os acontecimentos. E de confiar na administração do BES: “É de referir que, de modo a assegurar a adoção tempestiva de tais medidas corretivas, o Banco de Portugal tem mantido um acompanhamento permanente da sua implementação e tem conduzido reuniões regulares com a Comissão Executiva e Comissão de Auditoria, bem como com o auditor externo do BES”, a KPMG.

A carta lista depois a ordem dos acontecimentos, sem qualquer novidade. Até que afirma que a provisão de 700 milhões de euros constituída para garantir o pagamento do papel comercial dos clientes de retalho em Portugal pode não ser suficiente, uma vez que o processo de venda de ativos da ESI não estava a correr como previsto. Os riscos de execução do plano de desalavancagem da ESI “têm vindo a avolumar-se”, escreve Carlos Costa, “existindo agora um risco material de medidas geradoras de liquidez previstas no plano de desalavancagem da ESI não permitirem o reembolso da dívida emitidas por entidades do ramo não financeiro do GES na data do seu vencimento”. Por isso, o BdP “requereu ao BES um plano de contingência baseado em três vertentes (liquidez, capital e remuneração), com vista a mitigar os riscos decorrentes de um cenário de incumprimento”. Em particular, o BdP “solicitou uma identificação concreta e devidamente quantificada dos vários canais de contágio ao Grupo BES.”

O assunto foi definido numa reunião com a comissão executiva do banco, que então ainda era (e seria durante mais uma semana) liderada por Ricardo Salgado, tendo Amílcar Morais Pires a seu lado. Foi fechado um plano de contingência pelo BES em que o banco assegura que, “em caso de incumprimento da ESI ou da RioForte, o reembolso da dívida colocada em clientes não institucionais”. Ou seja, “verifica-se que o grupo BES terá capacidade para acomodar os efeitos negativos decorrentes de um cenário de reestruturação ou de insolvência do ramo não financeiro do GES sem colocar em causa a continuidade das suas atividades.” O Banco de Portugal sabe existir um cenário de que “o ramo não financeiro do GES seja obrigado a declarar insolvência”.

Estamos a uma semana da saída de Ricardo Salgado e Carlos Costa escreve a Maria Luís Albuquerque que as mudanças na governação do BES estão em marcha, tendo o governador recomendado aos dois principais acionistas, ESFG e Credit Agricole, que apresentem “uma proposta consensual para substituição dos administradores renunciantes”, que passaria pela cooptação do novo CEO e CFO, com eleição de novo chairman. Uma vez que os cinco administradores da família Espírito Santo já haviam renunciado aos cargos, estas alterações nos órgãos sociais bem como a perda do controlo indireto do BES pela ESFG que aconteceu com a extinção da Bespar, o Banco de Portugal mostrava-se confiante na execução do seu plano.

Três semanas depois, o BES apresentou prejuízos semestrais de 3,6 mil milhões de euros, depois de terem sido apuradas cartas de conforto e um “esquema de financiamento fraudulento” do BES ao GES. O “ring fencing” havia sido furado, as almofadas de capital deixaram de bastar. O banco foi intervencionado.

DOC103

Fonte: Expresso

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