FMI reconhece que subestimou impacto da austeridade nas economias dos países sob ajuda externa, o que dá novos argumentos a Lisboa e a Atenas.

Pela segunda vez em menos de um ano, os técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) reconheceram que subestimaram o impacto das políticas de austeridade nas economias dos países sob ajuda externa, o que poderá explicar a recessão e o desemprego muito piores do que o previsto em Portugal e na Grécia.

A nova admissão dos economistas do Fundo, publicada na quarta-feira, foi feita especificamente para o caso da Grécia no quadro de uma avaliação sobre o seu programa de ajustamento que constitui a contrapartida da ajuda externa da zona euro e FMI.

Mesmo se o caso da Grécia é único – o país já vai no segundo pacote de empréstimos desde 2010, no valor total de 230 mil milhões de euros, e passou em 2012 pela maior reestruturação de sempre de dívida pública detida por privados -, a insistência do FMI no risco de os programas de ajustamento estarem mal concebidos poderá dar argumentos aos governos de Lisboa e Atenas para tentarem suavizar o ritmo da consolidação orçamental.

No caso da Grécia, a contracção esperada do PIB em 2012 face aos valores de 2009 foi de 17 pontos percentuais do PIB em vez dos 5,5 previstos. Durante o mesmo período, o desemprego disparou para 25% da população activa, em vez dos 15% esperados. Ao mesmo tempo, a previsão feita no início do programa grego de que a dívida pública atingiria um “pico” de 154-156% do PIB em 2013, foi revista para valores acima dos 170%, mesmo depois da reestruturação da dívida.

Além disso, apesar do esforço “significativo” que foi exigido aos gregos em termos de consolidação orçamental, o programa não permitiu alcançar muitos dos seus objectivos, como a recuperação da confiança dos investidores e o regresso ao crescimento económico num país que está em 2013 no sexto ano seguido de recessão.

Esta situação “levanta questões importantes sobre o desenho do programa”, reconhecem os técnicos do FMI que, em Outubro passado, já tinham admitido que subestimaram o impacto da austeridade sobre a actividade económica nos países ajudados.

Apesar desta autocrítica, os economistas do Fundo consideram que, na altura da concepção do programa grego, em Maio de 2010, não havia margem para prever um ritmo de consolidação orçamental mais lento. O “enorme” ajustamento de 14 pontos percentuais do PIB, “era o mínimo necessário para reduzir a dívida para 120% do PIB em 2020”, afirma o relatório.

Um processo mais lento teria por outro lado como consequência que Atenas teria precisado de um maior volume de empréstimos do que os 110 mil milhões de euros previstos em 2010 (dos quais 80 mil milhões assegurados pela zona euro e 30 mil milhões pelo FMI).

Parte da contracção da economia grega desde 2010 teve a ver com a ausência de retoma do crescimento do sector privado que era esperada a partir das reformas estruturais previstas, mas igualmente com as dificuldades políticas internas e com a especulação dos investidores sobre uma possível saída da Grécia do euro.

A reduzida capacidade administrativa do país para aplicar o programa também foi subestimada e constituiu mesmo uma “surpresa” para o FMI. Os economistas do Fundo consideram igualmente que a dívida grega deveria ter sido reestruturada logo no início do programa, um cenário que foi rejeitado pelos governos do euro para evitar o risco de contágio a outros países. Esta estratégia apenas serviu, no entanto, para “atrasar a reestruturação da dívida”, permitindo que “muitos credores privados escapassem”.

Mesmo assim, a opção seguida permitiu à zona euro ganhar tempo para construir os seus fundos de socorro, mas criou incerteza sobre a capacidade da zona euro resolver a crise da dívida e “provavelmente agravou a contracção da economia”, afirma o relatório.

As críticas dos economistas do FMI são particularmente duras contra a Comissão Europeia, sua parceira, juntamente com o Banco Central Europeu (BCE), nas troikas de credores que negoceiam e vigiam o cumprimento dos programas de ajustamento.

Para o FMI, um dos problemas das troikas resulta da ausência de uma divisão clara de tarefas entre as três instituições, que demonstram por vezes “diferenças acentuadas de pontos de vista, (…) sobretudo no que se refere às previsões de crescimento”.

Mais: a Comissão “não tem experiência de gestão de crises” e “focaliza as reformas [nos países ajudados] mais no cumprimento das normas europeias do que no seu impacto sobre o crescimento” económico, acusa o relatório.

Tanto a Comissão Europeia como o BCE rejeitaram ontem o mea culpa do FMI e as críticas feitas às troikas.

Fonte: Público

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