Estado, câmaras municipais e empresas públicas têm desde ontem um prazo máximo de 30 dias para pagar as faturas de bens e serviços adquiridos às pequenas e médias empresas (PME). Em casos excecionais, como o do sector da saúde, este pode ser alargado para 60 dias. Se não o fizerem, pagarão um juro de mora de 8%, acrescido de 40 euros para custos de cobrança.

A nova diretiva comunitária, que ontem entrou em vigor, quer acabar com “os condicionalismos de liquidez” das PME, reconhecendo que, mesmo empresas saudáveis abrem falência por atrasos nos seus recebimentos. “Os atrasos de pagamento tornaram-se financeiramente aliciantes para os incumpridores”, reconhece Bruxelas, que pretende moralizar o relacionamento quer entre empresas privadas quer entre estas e a administração pública.

A Comissão Europeia aponta Portugal como um dos piores exemplos: o prazo médio de pagamento europeu é de 61 dias; em Portugal é de 139 dias. Pior só a Espanha, Grécia e Itália (ver infografia).

O que muda então com a nova legislação? “Pouco ou nada. Não é por falta de leis que os prazos não são cumpridos, é mesmo porque a impunidade grassa”, diz o presidente da Confederação da Construção (CPCI). Reis Campos lembra que o quadro legislativo português “já está mais que apto” a lidar com a questão do incumprimento dos prazos, na medida em que estabelece prazos de pagamento “não superiores a 60 dias”, pagamento “automático” de juros de mora e programas e linhas de crédito de regularização de dívidas a fornecedores, sendo o PAEL o mais recente.

Há regras de avaliação de desempenho na administração pública que têm em conta o cumprimento dos prazos de pagamento e a obrigatoriedade de os publicitar nos sites das instituições. Mas a realidade “está à vista”: 2,8 mil milhões de euros de dívidas vencidas acima de 90 dias, dos quais 1,6 mil milhões ao sector da construção.

As autarquias têm o pior prazo médio de sempre, 8,4 meses, frisa. E, mais de um ano depois, foram assinados apenas 84 contratos no âmbito do PAEL, no valor de 450 milhões.

Para Tiago Caiado Guerreiro muda muito porque “o Direito europeu prevalece sobre as normas do Direito nacional”. O fiscalista não tem dúvidas: “Se o Estado pagasse o que deve, não se falava tanto no financiamento dos bancos à economia. Era liquidez que o Estado injetava nas empresas e os números das falências em Portugal diminuíam estrondosamente.”

Tiago Caiado Guerreiro defende que o maior entrave de todos, até agora, foi “a falta de uma cultura de cumprimento, porque o Estado não é pessoa de bem”.

Por isso mesmo, a PME Portugal, uma associação de pequenas e médias empresas, está a aconselhar os seus associados a avançar com queixas contra os incumpridores junto do provedor de Justiça Europeu. Estas são preenchidas online, de forma anónima, o que permite evitar eventuais penalizações.

Alves da Silva aplaude a nova diretiva europeia e lamenta que a saída tenha de ser esta. “É uma vergonha para o País e nunca deveria ter de se chegar a este ponto. É muito grave que tenhamos de recorrer a uma instituição internacional para pôr em causa o nosso próprio país, mas isto está a transformar-se num drama nacional. Ninguém paga a ninguém. As micro e as pequenas empresas precisam de crédito dos bancos não é para investimento, é de tesouraria, para suportar o que não lhe pagam”, defende.

Evitar o risco de chantagem
É preciso criar mecanismos de exequibilidade e de concorrência, diz o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro. A única parte “falível” nesta equação, reconhece, é uma possível “chantagem” do comprador sobre as empresas, tanto maior, quanto maior é o comprador. “O Estado, porque é um comprador brutal e às vezes exclusivo, pode sempre dizer – se nos pões em tribunal, deixamos de te comprar e não pagamos até a ação chegar ao fim, e vais à falência. Mas as grandes empresas que funcionam quase em regime de monopólio, e a distribuição em Portugal é controlada por um ou dois grupos, todas impõem as condições que querem porque a Autoridade da Concorrência não funciona”, frisa.

Tiago Caiado Guerreiro considera que o problema se prende com uma questão cultural que é o facto de os portugueses “gostarem de grupos macrocéfalos”. Por outro lado, aponta o tradicional problema da “eficácia e eficiência da justiça” que, apesar de ainda “funcionar muito mal”, tem vindo a melhorar, garante.

Inundar de queixas provedor Europeu
“Mais uma vez, Portugal chutou para canto e nada fez”, acusa o vice-presidente da PME Portugal.

José Alves da Silva diz que a UE realizou um roadshow pelos vários Estados membros, em dezembro, “tentando convencer os Governos” a tomar medidas, mas “por cá nada se fez”. As PME, essas, estão de mãos atadas: “Se eu não me posso queixar de uma câmara, porque vou perder o cliente, como é que me vou queixar de uma empresa pública ou de um grande cliente na área da distribuição porque não cumpre os prazos de pagamento”, questiona.

José Alves da Silva aplaude a nova diretiva e considera que vai abrir uma nova oportunidade de “envergonhar” Portugal a nível europeu. Para isso, aconselha as pequenas e médias empresas a inundar de queixas o provedor de Justiça Europeu. Estas são feitas online e de forma anónima. “Se houver centenas de milhares de queixas, o Governo vai ter de atuar e será uma vergonha. É a única solução que vejo e a que estou a aconselhar os meus associados a seguir”, confessa.

O DN/Dinheiro Vivo contactou o Ministério das Finanças para saber como pretende o Governo implementar a diretiva e encurtar o prazo médio de pagamento dos seus compromissos em mais de cem dias. Não obteve resposta.

Fonte: Dinheiro Vivo

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