O Governo, que reuniu em conselho de ministros durante quase 12 horas até às 2h da manhã de ontem, concordou em “reprogramar” uma verba “significativa” de fundos europeus – poderá ascender a 400 milhões de euros, quatro vezes mais que o estimado em 2012 – que permitirá cortar mais no investimento público nacional (e despesas associadas) e adiar para 2014 os cortes a sério que pretende fazer no Estado social.

Mas o acordo tem um alcance maior. Também permite comprar tempo para convergir com o “maior partido da oposição” (PS) e os parceiros sociais em alguns pontos nevrálgicos no debate da despesa pública, mantendo o tal “consenso político e social” que tem sido usado como trunfo no ajustamento português.

Nessa maratona negocial, da qual só se conheceram alguns pormenores na conferência de imprensa de ontem de manhã, ficou assente um guião para reduzir os gastos do Estado em 1.300 milhões de euros este ano. Esse acordo genérico serve já de resposta preventiva ao chumbo do Tribunal Constitucional (TC) e de “garantia” aos parceiros internacionais de que o país não viola a meta de 5,5% do produto interno bruto (PIB) e de que merece a extensão dos prazos de pagamento da dívida em sete anos (média).

As tais “garantias” foram exigidas pela troika para libertar a próxima tranche do empréstimo ao país (2.000 milhões de euros), mas também por Vítor Gaspar, o ministro das Finanças, que quer estabilizar a cifra para depois a mostrar nos conselhos europeus de meados de maio em que vai selar o acordo das maturidades. E não ser penalizado quando quiser ir aos mercados pedir um empréstimo a dez anos (emissão de Obrigações do Tesouro de longo prazo).

Ontem, já com Gaspar a caminho de Washington, o seu secretário de Estado do Orçamento, Luís Morais Sarmento, explicou o plano. “Estamos a falar de uma alteração muito substancial do Orçamento do Estado que afeta todos os organismos da Administração Central” e, como tal, terá de ser apresentado um orçamento retificativo, algo que “não deverá acontecer antes do meio de maio”.

O plano geral está assente em três grandes vetores. O primeiro vale 0,5% do PIB (cerca de 820 milhões de euros) e vai reduzir despesas de funcionamento em todos os ministérios e “programas orçamentais”. Os gastos visados: com o pessoal e aquisição de bens e serviços.

No briefing não se falou, mas já se sabe que o programa de rescisões amigáveis será acelerado e que há medidas em curso para incentivar novas corridas às reformas da CGA. “A reposição dos recursos humanos que saem não será feita da forma que estava programada, será mais restritiva do que aquilo que estava previsto”, disse Morais Sarmento.

Naqueles 0,5% do PIB estão ainda incluídas as taxas de 5% e 6% sobre subsídios de doença e de desemprego, respetivamente, o que deve gerar poupanças de 90 a 100 milhões de euros.

Mas há mais duas fontes de redução nos gastos. “O Governo conta, adicionalmente, com poupanças resultantes da programação dos fundos comunitários e das poupanças relativas à renegociação dos contratos de PPP rodoviárias”. “Este conjunto de medidas deverá ser suficiente para atingir os montantes que necessitamos” para tapar o desvio do TC e chegar ao défice de 5,5%, indicou Morais Sarmento.

Ou seja, do lado das PPP virá mais 50 milhões de euros (num total de 300 milhões). Os 430 milhões de euros que faltam terão de vir do realinhamento dos fundos europeus, de uma reprogramação de verbas que permitirá ao Estado cortar ainda mais no financiamento nacional aos investimentos. Em 2012, este tipo de engenharia permitiu “poupar” 110 milhões no OE.

Este ano, “a reprogramação de fundos comunitários terá um impacto significativo”, sublinhou o secretário de Estado.

Ficou, contudo, o aviso: “a aplicação destas medidas tem um elevado grau de dificuldade de execução e colocará sobre forte pressão os serviços”. Por isso, “o Governo procurará, se necessário, controlar estes riscos de execução através da antecipação de medidas de caráter estrutural”. Estava a falar dos 3.500 milhões que faltam cortar na despesa em 2014 e 2015.

Fonte: Dinheiro Vivo

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