Não andam em Fiats 127 mas gostam de passar despercebidos. Evitam os carros de luxo como os Jaguar ou os Rolls Royce e os restaurantes da moda onde pára o jet set. E também não aparecem nas revistas cor-de-rosa

Quem vê caras não vê corações. Neste caso, as maiores fortunas de Portugal não gostam decididamente de ostentar o que têm. Não se lhes conhecem hábitos extravagantes de ostentação de sinais exteriores de riqueza, como vestirem Armani, andarem em Jaguar com motorista ou fazerem questão de se mostrar nos restaurantes luxuosos sem preçário na carta.

Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, Vasco de Mello, os Alves Ribeiro, António Mota e irmãs, António da Silva Rodrigues, Fernando Figueiredo dos Santos, Maria Isabel dos Santos e Fernando Campos Nunes, são os mais ricos de Portugal. Personalidades à parte, têm todos um ponto em comum: não gostam de exibir o que têm.

Quem entre na Avenida Buenos Aires vindo da Igreja da Estrela, em Lisboa, não consegue perceber que num dos andares de um dos prédios do lado esquerdo vive Alexandre Soares dos Santos, o líder do grupo Jerónimo Martins, avaliado este ano como a segunda maior fortuna de Portugal pelo ranking da revista “Exame”. A empregada da família vai regularmente fazer compras ao Pingo Doce da Lapa, que por acaso até é um dos mais pequenos da cadeia que gere. O patriarca da família tem ainda uma quinta fora da capital onde gosta de reunir com os cinco filhos e os netos.

Faz questão de continuar a comprar carros em segunda mão, e apesar de não saber o preço de uma garrafa de água do Luso, conseguiu perceber que a crise levou a que mais de 15 milhões de salários dos seus colaboradores estivessem congelados pelos tribunais. E criou um fundo para apoiar anonimamente quem precisasse, em linha com o que acredita dever ser a responsabilidade de um cristão, crente e praticante que coloca os valores familiares acima de tudo.

Os filhos andaram em colégios particulares normais e foram estudar para fora, como acontece em muitas famílias da alta burguesia. O homem que foi trabalhar primeiro para a Unilever e chegou a viver, recém-casado, num quarto alugado na Alemanha onde pagava para tomar banho, gosta também de contactar regularmente com os seus empregados. “Não são novos-ricos, são pragmáticos, simples, práticos, trabalhadores e empenhados”, diz uma fonte próxima da família. Fernando Figueiredo dos Santos, com 574,9 milhões de euros, o 6.o lugar da lista deste ano, também é uma pessoa discreta, embora menos austera que o primo mais velho, Alexandre, tendo como paixão coleccionar automóveis, arte e antiguidades.

Maria Isabel dos Santos, outra das primas de Soares dos Santos, também cultiva o anonimato. Ocupa o 9.o lugar do ranking deste ano, com uma fortuna de 429 milhões de euros, mantendo-se como a mulher mais rica do país, detentora de 10% da sociedade Francisco Manuel dos Santos e uma das principais accionistas da Jerónimo Martins.

GUIMARÃES DE MELLO Vasco de Mello, cujo património integra os 1224,8 milhões de euros da família Guimarães de Mello, quarta no ranking das maiores fortunas portuguesas, é também conhecido por gostar de passar completamente despercebido. Não se expõe publicamente, mantém-se longe da ribalta e cumpre os mínimos olímpicos em termos de contactos com a imprensa. Sai ao pai, José Manuel, e ao tio, Jorge, ex-donos da CUF, que durante anos frequentaram a Praia Grande sem qualquer tipo de ostentação, longe dos almoços regados a champanhe e vinhos brancos de topo que acontecem regularmente na Galé, um dos restaurantes sobre o mar. Os dois costumavam chegar por volta das onze da manhã à praia, acompanhados das mulheres, de chinelos e roupão turcos, toalha debaixo do braço, para se juntarem ao resto da família em toldos alugados à época, e de farnel na mão.

Vasco vive ao lado do irmão, na Quinta do Patino, mas ao contrário de Jardim Gonçalves, nunca chegou a casa de helicóptero. Gosta de caçar e não dispensa um bom vinho francês, ficando-se por aí. Na altura em que estava no Banco Mello e houve o boom da bolsa, no final da década de 90, com o aparecimento dos primeiros yuppies saídos do nada para o tudo a partir das salas de mercados, o seu carro era facilmente reconhecido no parque de estacionamento por ser sempre o pior. Nisso destaca-se claramente do primo, João Pereira Coutinho, que na década de 80 foi um dos primeiros portugueses a comprar um Lamborghini que exibia orgulhosamente na Infante Santo quando ia buscar as primas.

 

MANUEL JOÃO ALVES RIBEIRO Os Alves Ribeiro também têm uma ligação forte à Praia Grande. Muitos deles têm casa no Banzão, sem mordomos fardados a andarem de bandeja na mão a servir os amigos na piscina. Não são mansões e não se comparam, por exemplo, ao Palácio de Fronteira, onde viveu Fernando Mascarenhas até à sua morte. Não há carros sumptuosos e quem veja alguns dos mais jovens a entrarem na escola não os distingue dos restantes estudantes. Nem antes, nem depois do 25 de Abril, nunca se distinguiram no grupo de amigos, nem na roupa, nem nos relógios, nem nas jóias.

Há uma grande preocupação por parte dos pais em transmitirem valores e princípios às novas gerações que passam precisamente pela importância da família, do trabalho e da não ostentação da riqueza. Pode dizer-se que a discrição também marcou a construção do império que integra a Alves Ribeiro Construção, a Mundicenter, o Banco Invest, a Alrisa e o Centro Comercial de Alvalade, que sobreviveu a várias gerações. Os negócios da família remontam a 1931 e centraram-se inicialmente apenas na área da construção civil. Hoje o grupo ocupa o 5.o lugar dos mais ricos em Portugal, valendo 1078,5 milhões de euros, o dobro do que valia em 2013, ano em que ocupou a 9.a posição.

 

BELMIRO DE AZEVEDO O homem que este ano ficou em terceiro lugar na lista dos mais ricos de Portugal também não gosta de ostentar a fortuna pessoal. Passa habitualmente os fins-de-semana na sua casa de Ambrães, em Marco de Canavezes, a mesma onde viveu com os pais, onde é hábito reunir os três filhos, os sete netos, antigos colegas de curso e amigos de diversos meios, entre os quais Siza Vieira e João Lobo Antunes. Sem cerimónias e com simplicidade.

Belmiro de Azevedo é mesmo visto como forreta por alguns dos que lhe são mais próximos, até na escolha dos restaurantes onde vai. Tem um BMW que não se diferencia dos que são atribuídos a qualquer gestor de uma empresa privada ou até mesmo de alguns organismos do Estado e viaja muitas vezes em turística quando utiliza o avião. Aproveita essas alturas para pôr a leitura em dia, sempre ligado ao trabalho.

O fundador da Sonae orgulha-se da sua coqueluche especial, um centro de processamento de kiwis, na terra onde nasceu, o que também o mantém ligado à indústria, área onde começou a trabalhar.

AMÉRICO AMORIM O homem que internacionalizou a cortiça portuguesa volta a ser este ano o mais rico do país e tal como os restantes que pertencem a este top ten, é contra a exibição de sinais exteriores de riqueza. Valoriza a motivação das equipas e tem como lema de vida o trabalho, apesar dos seus 80 anos. Tem ainda como hábito enviar regularmente mensagens aos seus colaboradores. Quando comprou a Herdade do Peral a Jorge de Mello no final dos anos 70, teve um desabafo, dizendo que era uma maçada ser o homem mais rico do país. Ao que o ex-dono da Nutrinveste respondeu: “deixe lá que isso passa”. O que é facto é que Amorim se tem mantido sucessivamente no ranking dos mais ricos ao longo dos anos.

ANTÓNIO MOTA O antigo CEO da Mota -Engil tem uma fortuna, juntamente com as irmãs, de 808 milhões de euros, a 6.a maior de Portugal. Vivem de forma normal, como muitos gestores de empresas privadas. Num caso ou noutro, até têm jaguares, como outros colaboradores do grupo. Oriundo de Vila Nova de Ourém, António Mota faz questão que todos os familiares sejam licenciados e trabalhem nas empresas da família, uns em Portugal, mas muitos também lá fora, onde está implantada como, por exemplo, em Angola. À semelhança do que acontece noutras famílias com rendimentos inferiores, faz parte da tradição os mais novos receberem uma casa e um carro quando casam.

O ex-empresário nunca renegou as suas raízes a Amarante, onde apoia uma série de instituições, como o grupo desportivo e os bombeiros, e ainda famílias em dificuldades. Tal como Soares dos Santos, criou também uma fundação, embora mais vocacionada para a área social e cultural, suportada integralmente por verbas do grupo, sempre aprovadas em assembleia geral. “São pessoas com um bom nível de vida, mas muito trabalhadoras, muito humanas e com um relacionamento profundo à empresa e a quem nela trabalha”, diz uma fonte próxima do engenheiro que conseguiu construir um império que tem hoje 28 mil colaboradores.

FERNANDO CAMPOS NUNES , com uma fortuna avaliada em 400,9 milhões de euros, é presidente e maior accionista da Visabeira, tendo tido entrada directa neste top-10, com a saída de alguns dos membros da família Espírito Santo. Diz quem o conhece que é igualmente hiperdiscreto e simpático com toda a gente, independentemente da posição social. Numa atitude partilhada por António da Silva Rodrigues, presidente do grupo Simoldes que também mantém uma grande ligação a Oliveira de Azeméis, onde nasceu. Ou seja, nem tudo o que luz é ouro, como mostram os hábitos dos mais ricos de Portugal.

 

Fonte: Jornal i

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