O papel do BCE nos pedidos de ajuda da Irlanda e de Portugal começam a ser conhecidos. A pressão, quase sempre desmentida, desapareceu com Chipre. A ameaça a Nicósia foi feita em praça pública.

Abril de 2011, poucos dias passados sobre o pedido de ajuda externa. O então presidente da Associação Portuguesa de Bancos, António de Sousa, revela ao “Financial Times” que o BCE tinha dito aos bancos portugueses, um mês antes, para não aumentarem a sua “exposição ao BCE”. Uma orientação aparentemente inofensiva, mas com consequências que, todos o sabiam, precipitaria, como aconteceu, o pedido de ajuda externa. Em Portugal, como na Irlanda, foi de Frankfurt que surgiu a sentença fatal de pedido de resgate. Com Chipre, Frankfurt deixou a discrição dos telefonemas, teleconferências ou cartas e anunciou em comunicado que deixaria de fornecer liquidez aos bancos cipriotas.Pouco se sabe sobre o que se passou entre Portugal e o BCE a partir do momento em que se soube que o PEC IV ia ser chumbado pelo PSD, já na madrugada de sábado 12 de Março de 2011, e o anúncio formal de pedido de ajuda externa por José Sócrates a 6 de Abril. A única declaração que mostra a mão do BCE é a de António de Sousa e, dias antes, dos banqueiros, em entrevistas à TVI, preocupados com a falta de financiamento e a apelarem ao pedido de resgate. Em Frankfurt, sabia-se que dizer para “não aumentar a exposição” significava condenar Portugal a solicitar apoio financeiro aos seus parceiros europeus e ao FMI. Sem acesso à liquidez do BCE, nem aos mercados financeiros internacionais, só restava aos bancos portugueses deixarem de comprar dívida pública uma vez que não podiam, de um dia para o outro, reduzir o crédito à economia ou aumentar os depósitos, explica um ex-banqueiro. Como o Estado já só conseguia vender a sua dívida à banca portuguesa – os investidores estrangeiros tinham desaparecido – o Governo de José Sócrates estava condenado a pedir ajuda.Quando o então presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, reagindo às interpretações que se fizeram da orientação de “não aumentar a exposição”, diz que não deu ordens à banca portuguesa para não comprar mais dívida pública não está a faltar à verdade. Apenas não estava a dizer qual a consequência dessa orientação: sem o BCE, Portugal entraria em incumprimento ou, como aconteceu, tinha de pedir ajuda.

A menos disfarçada pressão sobre a Irlanda

A preocupação do BCE em disfarçar a pressão sobre Portugal era explicada, na altura, pelo facto de ter gerado na Irlanda as mais variadas críticas. Mas hoje sabe-se que a posição dos falcões de Frankfurt foi determinante para a queda da Irlanda nas mãos da troika.Os jornais irlandeses divulgaram, em Setembro de 2012, cartas trocadas entre o seu então ministro das Finanças, Brian Lenihan, e o ex-presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, que expõem a pressão a que esteve submetida Dublin. O “Irish Times” revela o conteúdo de três cartas dirigidas por Trichet a Lenihan, com datas de 15 de Outubro, 4 de Novembro e 19 de Novembro. A pressão vai crescendo. Nas primeiras mensagens, Trichet diz que o Conselho de Governadores se mostra preocupado com a exposição à banca irlandesa e alerta que a cedência de liquidez está limitada à existência de colateral e que pode terminar a qualquer momento. Alerta, ainda, que o apoio do BCE e do banco central irlandês ao Anglo Irish não pode ser dada como garantida a longo prazo. Finalmente, a 19 de Novembro, Trichet sensibiliza o governo irlandês “a aceitar a necessidade de resgate e de assinar um programa com a troika”, lê-se no “Irish Times”, que teve acesso às cartas no quadro da lei irlandesa de “liberdade de informação”. A 20 de Novembro de 2010, a Irlanda capitulava e pedia ajuda externa.

A ameaça explícita dirigida a Chipre

Ainda nesse mês de Novembro, dia 30, o então ministro irlandês da Justiça, Dermot Ahern, deu as primeiras indicações sobre as pressões do BCE sobre a Irlanda. E dizia que Frankfurt estava a ter a mesma actuação com Portugal. Do que se passou com Portugal pouco se sabe formalmente. Não há cartas nem telefonemas revelados. Percebeu-se, mais tarde, que o BCE teve também um papel importante no pedido de ajuda dos bancos espanhóis e na queda de Silvio Berlusconi. Pressões nunca assumidas, realizadas pelo telefone ou por carta.Tudo mudou com Chipre. Da pressão disfarçada, os falcões de Frankfurt voaram mais alto e comunicaram publicamente que o BCE deixaria de fornecer liquidez aos bancos cipriotas. Em comunicado, diz que apenas fornecerá liquidez aos bancos cipriotas até 25 Março, segunda-feira, e só o continuará a fazer se houver um plano conjunto da UE e do FMI que “garanta a solvabilidade dos bancos” com problemas. O governo de Nicósia e os líderes europeus ficaram encostados à parede: ou se esforçavam por obter um acordo ou no dia 26 de Março um país do euro entrava em incumprimento. Domingo, 24 de Março de 2013 Chipre, os ministros das Finanças do euro, o BCE e o FMI assinaram o acordo do resgate.

Fonte: Negócios

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