Mais sigla, menos sigla, mais programa, menos programa, é certo que o “dinheiro da CEE” – como é conhecido desde que Portugal entrou na agora União Europeia – não parou de entrar no País. Entre 1986 e 2011, Portugal recebeu 80,9 mil milhões de euros em fundos estruturais e de coesão, o que corresponde a nove milhões de euros por dia injetados por Bruxelas no País.

Esta é uma das conclusões do estudo “25 Anos de Portugal Europeu”, realizado pela consultora Augusto Mateus & Associados para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS).O mesmo documento destaca que o valor pode chegar aos 96,7 mil milhões de euros até ao final de 2013, ano em que termina o QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional, o programa de apoio em vigor). Resta saber se tudo será executado.

A Europa começou tímida a alimentar o seu “bom aluno”, sendo o primeiro Quadro Comunitário de Apoio (QCA I, que decorreu entre 1989 e 1993) aquele em que Portugal menos recebeu dinheiro por ano: “apenas” 2,9 mil milhões. Por oposição, foi no QCA III (entre 2000 e 2006) que o País recebeu mais fundos estruturais (4,27 mil milhões/ano).A billion dollar question (que aqui podemos traduzir para “a questão 178 mil milhões de euros”, uma vez que é esse o investimento total previsto em projetos comunitários, contando com o investimento nacional público e privado) é a seguinte: “Os fundos foram bem aproveitados?”

Para os especialistas não há uma resposta de “sim” ou “não”. Se não têm dúvidas de que Portugal evoluiu, também são imediatos a admitir erros na gestão dos fundos.O antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus e ex-eurodeputado, Carlos Costa Neves, considera que a “execução nacional contribuiu para o desenvolvimento de Portugal, mas há que reconhecer alguns erros cometidos, nomeadamente na aposta excessiva em infraestruturas, principalmente as rodoviárias”. O atual coordenador do grupo parlamentar do PSD para os assuntos europeus diz que ao nível de aproveitamento dos fundos “nem sempre foram definidas as melhores prioridades, houve um investimento não reprodutivo, muitas vezes porque era preciso cumprir prazos ou, pior: ir ao encontro de expectativas eleitorais.

“A opinião é partilhada pela especialista em assuntos europeus Isabel Meirelles, que garante ter havido “desperdício e falta de controlo na aplicação dos fundos”. E acrescenta: “Devia-se ter investido mais nos sectores reprodutivos e não na política do betão. Temos uma rede rodoviária excessiva.

“As críticas ao “alcatrão” vão ao encontro dos números do estudo feito para a FFMS. Só nos primeiros cinco anos do QREN (2007-11), ao abrigo do Feder (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional), o dinheiro europeu ajudou a construir mais de três mil quilómetros de estrada (ver páginas 4 e 5).Isabel Meirelles diz mesmo que “não houve uma visão global de aproveitamento dos fundos. E houve casos em que eles pura e simplesmente não foram aproveitados por excesso de burocracia. Era preciso tirar quase um doutoramento para preencher uma candidatura a um fundo comunitário.”

A especialista em assuntos europeus diz ainda ter havido erros no Fundo Social Europeu, onde “houve cursos que não foram dados porque houve desvios de dinheiro e outros que nunca deveriam ter sido aprovados. Vou dar um exemplo caricato: ensinou-se a fazer queijo da serra no Algarve.”Em sentido contrário, o socialista e coordenador de assuntos europeus, Vitalino Canas, destaca “as infraestruturas rodoviárias e a formação” como as áreas onde os fundos foram bem aplicados.

Embora admita “abusos no Fundo Social Europeu nos primeiros anos”, o deputado do PS considera que “ao longo dos tempos essas questões foram sendo resolvidas, e essa é uma árvore que não deve servir para julgar a floresta”. Quanto à rede rodoviária, Vitalino Canas admite alguns excessos, mas justifica o grande investimento com “o modelo de desenvolvimento escolhido para Portugal, como porta de entrada do Atlântico para a Europa. E hoje continua a ser esse o modelo e a estratégia”.Em termos genéricos, os especialistas contactados pelo DN são unânimes a fazer um balanço positivo à integração europeia e à aplicação dos fundos.

Isabel Meirelles, Costa Neves e Vitalino Canas dizem em uníssono: “Não há dúvidas de que vivemos melhor” do que em 1986. Olhando para o estudo da FFMS – que desenvolveremos ao longo dos próximos meses – é fácil constatar que Portugal melhorou, nos primeiros 25 anos de integração europeia, em quase todos os indicadores sociais, com uma nuance: nem sempre se aproximou do nível europeu e em alguns casos até se afastou (ver páginas 6 e 7).Portugal falhou assim, de certa forma, o objetivo de convergir com a média europeia e também não conseguiu deixar de ser um país de assimetrias. Entre ricos e pobres. Entre o litoral e o interior. Entre os centros urbanos e o resto do País.O estudo da FFMS mostra que no início do primeiro quadro comunitário de apoio (QCA I) todo o País – do Minho a Ponta Delgada – era uma grande mancha negra caracterizada por um denominador comum: a carência de dinheiro (portanto, fundos comunitários).

Mas a partir de 1999, os fundos fizeram o caminho contrário da população: começaram a afastar-se da região de Lisboa e Vale do Tejo.Chegámos ao atual quadro de apoio, o QREN, e a cada três euros que a Europa envia para Portugal, dois vão para o Norte e Centro do País. E, se por um lado, isto significa que os fundos estão a ser direcionados para as regiões mais necessitadas, também é sinal de que estas continuam a ser mais pobres do que a média da UE. A própria divisão do País mudou para captar o investimento comunitário, como lembra o estudo feito para a FFMS: “Para otimização da programação do financiamento estrutural para 2007-2013, a própria região de Lisboa e Vale do Tejo perdeu o Oeste e o Médio Tejo para a região Centro e a Lezíria do Tejo para a região do Alentejo, restringindo-se a nova região de Lisboa às sub-regiões mais desenvolvidas da Grande Lisboa e da Península de Setúbal.

Fonte: Dinheiro Vivo

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