Batalha pela liderança entre EUA e Arábia Saudita atira preços dos mínimos de 2009 e esmaga lucros das petrolíferas.

Controlar o mercado do petróleo sempre foi uma tentação. Entre a década de 20 e a de 70, uma comissão de caminhos de ferro do Texas teve o “ouro negro” nas mãos. Mas tudo mudou em 1973: a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) mostrou-se ao mundo com um corte histórico na produção e provocou um choque petrolífero à escala mundial, com uma subida meteórica dos preços. Agora, 45 anos depois, ninguém parece conseguir controlar a queda do mercado.

O brent, o crude de referência para as importações portuguesas, negociava, há um ano, a 85 dólares por barril; hoje vale cerca de metade – fechou a 49,56 dólares na sexta-feira (-41,7%). E, de acordo com o Goldman Sachs, os preços poderão recuar até a uns impensáveis 20 dólares o barril já no próximo ano.

Razão: o mercado está inundado de crude devido, por um lado, à luta pela liderança entre os EUA e a Arábia Saudita e, por outro, ao aumento da produção das principais companhias petrolíferas mundiais (inclusive a Galp Energia), numa altura em que a economia mundial, até agora puxada pela forte expansão da China e outras economias emergentes, dá sinais de claro arrefecimento.

No petróleo, como em tudo, quem manda é o mais forte. O rápido desenvolvimento tecnológico tornou viável e rentável a exploração do petróleo de xisto betuminoso e permitiu aos EUA escalarem lugares entre os maiores produtores. Quando a quota de mercado da Arábia Saudita começou a ser posta em causa, Riade começou por cortar nos preços de exportação para outros mercados.

Mas o passo decisivo foi dado a 27 de novembro de 2014. Os 13 países da OPEP reuniram-se em Viena e decidiram manter a produção de petróleo nos 30 milhões de barris de crude por dia. Objetivo: inundar o mercado mundial, baixar o preço e tornar as explorações de petróleo norte-americanas economicamente inviáveis. Menos um concorrente.

Oito países votaram contra, mas os sauditas fizeram valer o estatuto de maior produtor. A Arábia Saudita, ao explorar o petróleo à superfície, tem custos muito mais baixos de produção e uma almofada maior para resistir à queda dos preços do que os EUA, que têm de utilizar tecnologia mais cara para conseguir extrair o ouro negro.

Os efeitos da queda dos preços, é claro, não atingiram só os EUA – outros produtores, como Angola, Venezuela, Rússia, e até pequenos produtores da OPEP, estão a sofrer os danos deste fogo cruzado.

Angola, por exemplo, foi já obrigada a fazer cortes importantes nas despesas do Estado por causa da quebra nas receitas da produção. A situação financeira mais delicada levou Luanda a procurar outras fontes de financiamento e está já a preparar, pela primeira vez, uma emissão de dívida soberana. A Venezuela é outro país a pagar a fatura da queda dos preços do petróleo. O país liderado por Nicolás Maduro entrou em forte crise económica e até a produção diária de 2,4 milhões de barris está agora em risco.

A queda dos preços começa também agora a fazer-se sentir nas contas das grandes petrolíferas, com quebras acentuadas nos lucros e anúncios de cortes drásticos nos investimentos e no número de trabalhadores.

A ExxonMobil e a Chevron, os dois maiores grupos dos EUA, anunciaram, na sexta-feira, quebra de 49% e 63%, respetivamente, nos lucros do terceiro trimestre deste ano. A francesa Total viu os ganhos caírem 69%, a mexicana Pemex teve os piores perdas da sua história (9,2 mil milhões de euros) e os holandeses da Shell anunciaram prejuízos de 6,7 mil milhões de euros, tendo desistido dos investimentos no Alasca e no Canadá.

Derrames nos postos de trabalho

Os trabalhadores também estão a pagar a fatura da forte queda dos preços do petróleo. Só nos EUA, as petrolíferas cortaram mais de 86 mil postos de trabalho, desde junho de 2014, de acordo com a consultora Challenger, Gray & Christmas.

Só a norte-americana Chevron anunciou, no final da semana passada, um drástico plano de redução dos custos, no valor de 25 a 28 mil milhões de dólares no próximo ano, que irá atirar, de uma só vez, 7000 pessoas para o desemprego, nada menos de 11% dos seus quadros.
A Exxon, outra das gigantes dos EUA, ainda não fala em cortes de pessoal, mas deixou claro que vai focar-se em projetos essenciais.

As companhias europeias enfrentam problemas semelhantes. A BP, que no último ano despediu 4000 trabalhadores, já avisou que vão sair mais pessoas da empresa, sobretudo nos EUA. A petrolífera britânica, que também congelou os salários de 80 000 funcionários em todo o mundo, alega que está a “reiniciar e reequilibrar a atividade desde há ano e meio”.

Os holandeses da Shell fizeram um anúncio semelhante: depois de terem despedido 7500 trabalhadores já em 2015, alertam que há ainda espaço para mais saídas. O agravamento da situação financeira obrigou já ao fim de projetos no Alasca e no Canadá.

A saída de trabalhadores também foi anunciada, logo no início do ano, pela Total. A empresa francesa vai cortar 2 mil postos de trabalho até 2017. Mas o cenário pode tornar-se mais negro, depois de um corte de 10% no investimento.

Os preços do petróleo vão manter-se baixos nos próximos dois, três anos, dizem os analistas. E, como a produção só é rentável a partir dos 60 dólares por barril, o preço registado pela última vez no início de julho de 2015, é de prever que vem aí tempos ainda difíceis.

Fonte: Dinheiro Vivo

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