Ministro das Finanças foi a única voz dissonante na apresentação do documento azul da CE para o aprofundamento da união monetária

Vítor Gaspar revelou ontem uma nova faceta em Bruxelas, não a do aluno bem-comportado da troika, mas a de um ministro das Finanças finalmente atento aos problemas do impacto da austeridade na economia. Embora satisfeito com o sucesso da colocação da primeira emissão nos mercados de dívida pública portuguesa a 10 anos, reconhece que o desemprego é um problema irresolúvel, a não ser que seja posto em marcha um programa de políticas activas de emprego.
Mais. Na intervenção que fez durante a apresentação do documento azul da Comissão Europeia para o aprofundamento da união económica e monetária, até se permitiu lançar algumas alfinetadas ao seu amigo Schäuble, lembrando–lhe que também ele tem um Tribunal Constitucional alemão que o incomoda, avisando-o que também ele pode não estar livre dos problemas acrescidos sentidos por Portugal face aos seus credores na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional a quatro normas do OE deste ano.
Ao seu lado estava Olli Rehn, o comissário responsável pelos Assuntos Económicos, que ainda há bem pouco tempo disse na City londrina “não estar seguro que o próprio Keynes seria keynesiano nos dias de hoje”, embora ele tenha a certeza de o ser. Chegou a citar um artigo de Milton Friedman publicado na “Time” na década de sessenta onde o Nobel da Economia defendia que “por um lado, somos todos keynesianos, e por outro lado, ninguém o é”.

Mais do mesmo  O certo é que a apresentação do novo documento elaborado pela Comissão Europeia, que defende um aprofundamento do federalismo, pelo menos na zona euro, não originou discursos radicalmente diferentes nem da parte do presidente da Comissão Europeia, que abriu o debate, nem do comissário para os Assuntos Económicos, nem mesmo do presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, que já depois de eleito teve de alterar o currículo oficial para retirar a menção a um mestrado que não tinha feito.
Embora sem referências específicas à austeridade, a tónica dos discursos foi toda para o rigor das contas públicas, o cumprimento do programa de reformas e a consolidação das finanças públicas. A política de Bruxelas, representada por Rehn, manteve-se fiel a si própria, defendendo o equilíbrio fiscal sem qualquer flexibilidade para os Estados membros, longe das políticas keynesianas defendidas por Gaspar, e sem nenhuma menção específica à espiral recessiva que o actual enquadramento económico tem provocado em toda a zona euro.

Desalinhado Novidade, novidade, foi o discurso do ministro das Finanças português, que defendeu que “a fragmentação financeira que existe actualmente exacerba o custo associado ao ajustamento e funciona como um choque de competitividade negativo para o pais sob ajuda externa”, acrescentando que a “UE tem de respeitar o que eu considero um princípio: permitir aos Estados que assegurem aos seus cidadãos os direitos sociais que estes exigem”.

Doc estratégico O presidente da Comissão Europeia abriu a sessão de apresentação pública do trabalho de Bruxelas   sobre o aprofundamento da zona euro com uma frase de Benjamim Disraeli: “A mais perigosa das estratégias é tentar ultrapassar um abismo com um salto de duas passadas”. Especificando que foi o que aconteceu desde que estes Estados-membros aprofundaram a união monetária, deixando a economia para segundo plano.
É precisamente o que a Comissão pretende agora contrariar, através de um plano pormenorizado para uma União Económica e Monetária efectiva e aprofundada, sem contudo avançar com uma calendarização especifica ou medidas detalhadas.
No essencial, Bruxelas quer que seja reforçada a supervisão orçamental e aprofundado o controlo sobre a política económica dos países que utilizam a moeda única, mas sempre dentro do quadro dos actuais tratados. “As alterações devem ser ponderadas apenas no caso de uma medida indispensável da UEM não poder ser tomada dentro do actual quadro”.
Nos próximos seis a 12 meses, o grande objectivo é a construção da união bancária, a melhoria da coordenação das políticas, a adopção de uma decisão sobre o próximo quadro financeiro plurianual e a criação de instrumentos de convergência e competitividade. A regulamentação financeira e a supervisão financeira, no sentido de haver uma única regulamentação e um só mecanismo de supervisão é outro dos objectivos estabelecidos no documento, com um aprofundamento do intercâmbio de informações entre as autoridades de supervisão acerca dos bancos e a disponibilização de instrumentos comuns de prevenção e tomada de medidas comuns para fazer face a problemas na fase mais precoce possível
Mais concreta parece ser a decisão sobre uma nova representação externa da área do euro, com base num processo a desenvolver em duas fases: a primeira, o grupo de países deve ser reformulado, de modo a reagrupar não só os Estados desta zona, mas também os Estados-membros que venham futuramente a integrá-la. Em paralelo, a obtenção do estatuto de observador no directório executivo do FMI.

Fonte: Jornal i

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